Escrever a quente, muito próximo aos acontecimentos analisados, é um risco enorme, mas vou aceitá-lo e me auto criticar em seguida, se for o caso.
A exoneração do recém nomeado comandante em chefe do Exército, que o presidente Lula acaba de decretar, cai como um raio em céu limpo? A demissão foi uma enorme surpresa, talvez mais ainda para o demitido. Mas, “céu limpo”?
Apesar dos pronunciamentos apaziguadores depois da reunião do presidente com toda a alta rapioca das FFAA, na tarde de ontem, com José Múcio e Rui Costa falando em “página virada” e “consenso” em relação aos eventos do dia 8, o clima não podia estar mais carregado em Brasília e no Brasil.
Para começar, o lado de lá, os militares saíram da reunião sem piar. O lado do governo afirmou que os militares estavam de acordo com a justiça em investigar a participação eventual de indivíduos das FFAA nos eventos. Estranhei esta declaração, porque ela implica na justiça militar abrir inquéritos para estabelecer a responsabilidade (eventual) de oficiais nos eventos. E como é que isto seria feito, se o próprio comandante do Exército incorreu em prática condenável judicialmente ao impedir a ação da polícia na porta do QG da força em Brasília, protegendo os golpistas que se refugiavam no acampamento? Pensando alto: o STM abriria um Inquérito Policial Militar para investigar quem? Os indivíduos que participaram anonimamente no badernaço? Ou que se manifestaram em apoio nas redes sociais? Ou os comandantes que ajudaram os golpistas, como o comandante da Guarda Presidencial? E como deixar de fora o próprio comandante do Exército? Mesmo supondo que o STM passasse a borracha nos fatos e apertasse só os outros, qualquer deles poderia argumentar em seus processos que não fizeram mais do que o seu próprio comandante em chefe.
Minha interpretação da conversa de ontem e das declarações é que o papo era mais para inglês ver e que ficaria “tudo como dantes no quartel de Abrantes”. Ou seja, não aconteceria nada com os militares e o governo teria que fingir que tudo estava de acordo com a lei. É claro que algo deve ter sido dito pelos militares na reunião de ontem ou os civis não teriam coragem de divulgar um consenso não manifestado. Mas frases ambíguas são para isso mesmo, cada um pode interpretá-las de forma diferente no futuro.
Segundo informações divulgadas pelo portal G1, o motivo da exoneração foi a recusa do comandante de remover um coronel bolsonarista, o notório ajudante de Bolsonaro, o coronel Cid, da chefia de um batalhão “em posição estratégica”. Qual posição seria essa? Este dado apareceu depois da reunião de ontem? Ao que parece o ministro da Defesa levou a demanda do presidente para o comandante no dia de hoje e deve ter ouvido um não redondo, pois mudou de postura e sugeriu a exoneração ao presidente.
O outro fio da meada é o surgimento de um general de quatro estrelas, o comandante da região Sudeste, com uma manifestação claramente e incisivamente legalista, feita na quarta-feira, antes, portanto, da reunião com os comandos das FFAA. Como este general foi imediatamente convocado para assumir o comando do Exército? Suspeito que a tibieza da quarta-feira se explica pelo desconhecimento do pronunciamento do general. Eu só soube dele ontem à noite, mas não tenho serviços de inteligência governamentais a meu dispor.
A posição deste general supera, em parte, o problema de Lula para fazer ajustes nos comandos do Exército. Sem ele, o risco de exonerar um e ver suas nomeações recusadas pelos outros, era enorme. Ou ser forçado a passar o rodo nos oficiais superiores e ter que nomear uma leva de coronéis ultra direitistas para substitui-los.
No momento em que escrevo o cheque-mate no comandante foi dado, mas o rei ainda não caiu. Para o episódio da substituição ser superado, o comando tem que ser passado e assumido sem estrilos, nem reações. Acho improvável que haja uma reação, pelo menos agora, e pelo general exonerado, a não ser que ele se sinta ameaçado pela longa mão da justiça pela sua participação no badernaço. De fato, se o ainda comandante resolver “ir para o pau”, tal como foi pedido pelo general Heleno ao antecessor quando a eleição foi perdida, estarão dadas as condições para o golpe. A meu ver, e tenho repetido isto sem parar há meses, a única coisa que falta para o golpe é a decisão de um comandante com ascendência sobre a arma por sua posição hierárquica ou por sua liderança na oficialidade. O antecessor do atual comandante brecou o golpe, será que esse vai dar o passo fatal?
O fato é que a grande maioria da oficialidade das três armas é de extrema direita, bolsonarista e golpista. Faltava um chefe.
Se o novo comandante assumir, terá que fazer o que o Lula queria evitar: investigar a responsabilidade das FFAA no golpismo. Isto vai ser um chute em casa de marimbondo e espero que ele tenha tutano para enfrentar a pressão. E que nós tenhamos tutano para defender a democracia nas ruas, porque ela está na corda bamba.
Jean Marc von der Weid
Ex-presidente da UNE entre 1969 e 1971
Fundador da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) em 1983
Membro do CONDRAF/MDA entre 2004 e 2016
Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta


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