A ESQUERDA E AS MULHERES…

Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior – Julho de 2023

Uma pergunta que sempre me faço é: Onde estão nossas valorosas companheiras de luta contra a Ditadura Militar? Explico o porquê dessa dúvida cruel: na minha época de militância estudantil, a participação das mulheres era expressiva e bastante importante. Elas estavam a frente de muitas ações corajosas e decisivas no enfrentamento das forças de repressão, mas assim como muitos companheiros refluíram nesse período, elas sumiram do cenário político e da militância política em geral, em uma proporção muito maior. Quanto a isso não há dúvidas!

Ainda durante os anos 1980, encontrei muitas mulheres atuando em movimentos sindicais ou partidários, entusiasmadas como sempre, acreditando num amanhã possível e melhor para todos, mas já em menor número e presença significativa.

As décadas foram passando e o movimento de entrada e saída de mulheres nos movimentos sempre foi uma constante, porém sua permanência e constância nem sempre foi observada, a ponto de se refletir na baixa representatividade no parlamento nos partidos de esquerda, majoritariamente representados por homens.

O machismo estrutural é uma das possíveis causas?

Acredito que sim, apesar dos avanços que nossa geração, a Geração 68, conquistou ainda estamos praticando nas nossas relações um posicionamento discriminatório e machista em relação as mulheres, em pleno século XXI. Parece uma afirmação fácil, fortuita e sem bases factuais, mas não é, e é fácil de ser verificada nas relações entre homens e mulheres no matrimônio, onde o homem e suas necessidades continuam a prevalecer sobre as necessidades das mulheres; na política, onde o homem tem sempre a prevalência para cargos e a palavra; no governo, nos debates, na sociedade, nos movimentos, nos partidos políticos, nos sindicatos, nos…, exemplos não faltam.

Mas, como somos seres políticos bem treinados, fazemos questão de atender as mulheres e atender aos seus reclamos por sua presença no púlpito, nas eleições, nos debates…,garantimos a presença, mas muitas vezes fazemos questão de mostrar que o sexo masculino manda e cortamos as suas palavras, do tipo… cumprimos a cota, agora chega! Isso aconteceu num debate outro dia aqui mesmo!

Outras vezes ampliamos a pauta: Mulheres e diversidade! Bonito, mas o que tem uma pauta com a outra? São duas pautas diferentes e importantes que devem ser tratadas de forma distinta dentro de suas particularidades e por conta dessa pretensa amplitude acabamos por não tratar de nenhuma delas.

Em outras ocasiões o desrespeito é flagrante e nem disfarçamos. Não afirmamos que não aceitamos, por exemplo, um posicionamento ou uma proposta por conta do fato de virem de uma companheira. Nós as  individualizamos e nos referimos a elas de modo pouco respeitoso,  como se elas fossem “ seres desprezíveis que estivessem enchendo o saco”, rejeitamos e não temos a coragem de afirmar abertamente o que realmente pensamos a respeito da origem da mesma para não ferir algum ”compêndio de esquerda” que afirma ser politicamente errado e inaceitável tal comportamento.  

Muitos exemplos corroboram essas afirmações acima, mas fato é que, agindo assim, estamos replicando comportamentos conservadores tão caros à direita e excluindo de nosso convívio excelentes companheiras de luta de toda a nossa vida, excluindo visões inovadoras, olhares diferentes, sentimentos puros e garra para enfrentar os desafios que temos pela frente.

A única explicação que encontro para minha pergunta inicial é que elas se cansaram de nós, os machistas, elas se cansaram de ter suas palavras caladas, se cansaram de suas proposições terem sido jogadas no lixo sem sequer terem sido consideradas, se cansaram de não serem consideradas ou de serem consideradas apenas como cota, se cansaram.

Acho que cabe a nós todos uma reação positiva e decisiva para coibirmos em nosso meio esse tipo de posicionamento e educarmos nossos companheiros para que nos respeitemos como seres humanos que todos somos, independentemente de genero, raça ou etnia.

Amaury Pinto de Castro Monteiro Jr,

Professor, Engenheiro Civil, Militante Ambientalista, Presidente Conselho Deliberativo do Engenharia pela Democracia, membro da Comissão Facilitadora do Geração68, Rede Democracia – RedeD


Respostas

  1. Avatar de Odete dos Santos

    Amaury, em resposta ao seu questionamento, te respondo.
    Em 68, 70, a mulher de luta estava na luta, mas estava também muito pouco no mercado de trabalho, pois ela não tinha, ainda, as obrigações da mulher atual, aquela que tem que sustentar a casa, a família, os filhos, muitas vezes sem a ajuda do genitor. A mulher atual já não tem o tempo necessário para ir a luta nas ruas, nos partidos. Preste atenção e verá que as mulheres politicas, sem generalizar logicamente, não tem emprego fixo e ou com horário comercial, o que limita a militância. As mulheres tem também obrigações em suas casas, coisa que os homens, ainda em sua maioria, não possuem. Este, creio ser um grande limitador da militância. Há também a preocupação e o assedio as mulheres de luta em seus locais de trabalho, elas ficam estigmatizadas por serem “de luta”.
    Esse é um fator importante a ser levado em conta.
    O assédio é grande sobre a mulher que luta pelos seus direitos.
    Temos ainda um desbravamento a efetuar, muitas estão lutando e ensinando as crianças, principalmente os meninos, que as tarefas domésticas devem ser feitas por ambos os sexos.
    Este debate é interessante que seja feito, quem sabe em uma live com mulheres de todos os níveis sociais e culturais, com a mulher comum.
    Sobre as cotas, minha posição é a seguinte, não me coloco como mulher que precisa de cota, pois os direitos são iguais, se um homem pode, a mulher também pode. Se há cotas, é porque houve exclusão!
    A mulher tem que ocupar seu espaço, no trabalho, nos estudos, nas ruas, na militância, pois a mulher pode ir e ser o que quiser!

  2. Avatar de Maria Selma de Castro Araujo

    Difícil enfrentar questões centenárias de valores patriarcais. Parece que damos um passo à frente e um passo atrás. O pior é que na esquerda às vezes o discurso da dez passos à frente e a prática não muda nada.

    1. Avatar de Geração 68

      Selma, por isso é importante estarmos sempre atentos e cerrarmos fileiras para educarmos a nós mesmos e as novas gerações para que não se perpetuem comportamentos machistas e misóginos nas futuras gerações. Essa não é uma luta só das mulheres, com certeza.

  3. Avatar de CLAUDIA A CAMPOS

    Da maior importância o artigo do Amaury. Raro o homem que ousa enfrentar essa questão com sinceridade.
    Não vou aqui ao miúdo, contando as agressões maiores e menores que testemunhei, ou que me foram dirigidas. Apenas sugiro que se organize um debate Franco e desarmado sobre o tema

    1. Avatar de Geração 68

      Cláudia, sem dúvida o tema merece debate constante e atenção redobrada aos desvios que cometemos inadvertidamente ou propositadamente para afirmarmos uma superioridade que só existe numa cultura machista implantada e reafirmada através dos séculos e que precisa ser extirpada de uma vez por todas em nossa sociedade. Todos nós temos nossa contribuição a dar nessa luta, que está apenas começando…

  4. Avatar de renzobernacchi

    Amaury Como sempre muito lúcido e oportuno nas suas considerações Termos uma prática diferente da direita é o que nos diferencia, ou deve nos diferenciar. Na questão do respeito aos companheiros sejam do gênero que for, da etnia ou do gênero que for, mas uma prática correta não fica apenas nisso
    Criticamos corretamente o partidarismo de Moro na sua função de juiz e não ouvi nenhuma crítica ao pronunciamento de Barroso no evento da Une.Depois deste pronunciamento qual a isenção de Barroso no julgamento fis crimes do inominável?
    Somente teremos sucesso na divulgação da nossa palavra quando formos vistos como praticantes de uma política que leva em conta esses aspectos

  5. Avatar de Myri

    A esquerda precisa pensar espaços que acolham mulheres mães também e os companheiros repensarem a logística de cuidado da casa e dos filhos também é importantíssimo. A sobrecarga mental e física das mulheres é algo urgente a ser repensado, especialmente pela militância masculina.

    1. Avatar de Geração 68

      Myri, a mudança começa quando homens e mulheres entenderem que o papel de cuidar dos filhos, da casa, da militância, do trabalho, é um papel compartilhado. Na construção da relação já se estabelece essas condições, ninguém predomina sobre ninguém, ninguém tem papel exclusivo nas questões paternidade/maternidade.

      1. Avatar de Myri

        Nem sempre acontece dessa forma. Fui casada com um militante de esquerda que se colocava totalmente disposto a equilibrar os papéis, mas a sobrecarga nunca deixou de existir na prática, tanto que não somos mais casados e hoje a maternidade solo é uma realidade que eu não contava vivenciar. E não sou caso isolado, tanto que o tema da sobrecarga é algo recorrentemente discutido entre as mulheres, inclusive as casadas e que teoricamente têm acordos de equilíbrio com seus companheiros.

  6. Avatar de ISABEL PEREZ

    Ótimo artigo, Amaury.

    Confirma algumas de minhas hipóteses acerca de algumas figuras de esquerda, inclusive da postura machista até mesmo de mulheres que se colocam no campo da esquerda. O machismo contamina todos e todas.

    Abraços Isabel

    Enviado do meu Galaxy

    1. Avatar de Geração 68

      Isabel, voce está certíssima. Homens e mulheres tem que estar unidos nessa luta.

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