Que conversa é essa, presidente?

Affonso Abreu – 16/03/2024

“O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações.”

Não posso acreditar que essas palavras sejam suas!

Você é um homem de bem!

Você é um homem de luta!

Você esteve na prisão e teve a mente torturada!

Você é um democrata!

Não, presidente!

Mil vezes não!

Não tergiverse com a verdade!

Essa parte da história do Brasil é contada, recontada e por demais conhecida.” 

Não faça nenhum acordo com esse passado sujo!              

Não se trata de remoer a história, presidente, mas sim contar de novo ao mundo um pedaço negro de nossa história, juntando-se ao povo brasileiro, em momento tão simbólico.

Onde é que você vai esconder sua vergonha, presidente, ao negar voz a tantos brasileiros, que querem e precisam purgar a dor da saudade, que sentem de seus amados insepultos? Que precisam e querem gritar suas revoltas acumuladas nesses sessenta anos de impunidade, perplexidade e silencio por tantas iniquidades.  Crimes bárbaros e cruéis torturas, tudo relevado e descartado em nome de infame anistia.

O que dizer, presidente, às centenas de brasileiros que foram marcados, literalmente, à ferro e fogo, por torturas brutais e seguem vivendo com essas marcas indeléveis? O que dizer, enfim, aos familiares daqueles que, depois de anos de duro sofrimento espiritual, cometeram suicídio?

Posso sugerir-lhe, presidente:

Pergunte ao Chico Buarque quem é a mulher, que cantava um estribilho, dizendo querer embalar o filho, que mora na imensidão do mar e que que teve de si arrancado pedaço e a quem restou a saudade de arrumar o quarto do filho que já morreu! Ele lhe dirá que ambos foram brutalmente mortos pelo lado negro da força, que habitavam e, ainda habitam, esse Brasil! E que eles têm nomes: Stuart Angel e sua mãe, Zuzu Angel!

E às centenas de mães, que não puderam rever e abraçar o filho morto e feito desaparecer nos cruéis porões da ditadura militar, com a dor que sentiram e ainda sentem, pergunte, presidente, se elas te querem calado?

Com a licença de Milton Nascimento, busque em seu coração de estudante que palavra você quer falar. Adivinhe onde ela anda, seja dentro do peito ou no ar.

Não, presidente!

Não fique calado!

Não tente explicar o inexplicável!

Mude o rumo, presidente!

No dia trinta e um de março o povo brasileiro quer ouvir sua voz e te ouvir gritar:    

Viva a democracia, abaixo a ditadura e tortura nunca mais!

Affonso Milcíades Alves de Abreu, 74 anos, residente na cidade do Rio de Janeiro, advogado militante por 40 anos, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Rio de Janeiro, especialista em Psicologia Analítica Junguiana, analista em formação pelo CEJAA – Centro de Estudos Junguianos Analistas Associados.


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