Por Affonso Abreu
Permito-me iniciar essa breve reflexão sobre o militarismo no Brasil, fazendo oportuna digressão, para trazer um pensamento do ilustre brasileiro Ruy Barbosa, manifestado no opúsculo “Contra o Militarismo – Campanha Eleitoral”, publicado no ano de 1910, que reverbera todo o seu imenso talento e impressiona por sua atualidade, in verbis:
Na paz ou na guerra, portanto, nada coloca o exército acima da nação, nada confere o privilégio de a governar. O exército não pode ter candidatos. Em um país livre só as opiniões desarmadas têm o direito de pleitear os cargos eletivos. As forças de terra e mar não existem coletivamente, senão para as funções que o texto constitucional lhe atribui: a defesa da pátria no exterior e a manutenção das leis no interior.
Sigo em frente!
Amanhã não vai ser outro dia, caro amigo Chico, se nada for feito para aplicar as devidas punições aos militares golpistas.
Amanhã não vai outro dia, se não for desmistificado o conceito tendencioso e infundado da existência de suposta superioridade moral e cívica das Forças Armadas sobre o Poder Civil.
O poder civil tem que desconstruir a simbólica e nefasta admissão da existência de uma casta superior de brasileiros, que habita o Forte Apache e a todas as demais “aldeias” espalhadas, segundo critérios, ditos estratégicos, por todo o território nacional. Caso contrário, seguirá existindo o histórico e endêmico militarismo e, consequente, golpismo militar que ocupa espaço no cenário nacional, desde a proclamação da República Brasileira, conforme a cronologia abaixo bem o demonstra:
- Proclamação da República (1889).
- Golpe de 3 de novembro de 1891.
- Primeira revolta da Armada (1891).
- Revolução de 1930.
- Estado Novo (1937).
- Deposição de Getúlio Vargas em 1945.
- Golpe de 1964.
- Golpe deflagrado e contido em 08 de janeiro de 2024.
E olha que aqui não estão elencadas muitas outras quarteladas e ameaças pontuais feitas pelos militares em outros momentos da história republicana, sempre acalentados, acobertados e justificados pelas “vivandeiras de quartéis”, prontas à rituais fascistas e histéricos, tais como acampar em frente aos prédios militares!
Recentemente, como está plenamente provado, comprovado e documentado, o plano golpista de Bolsonaro contra o Estado Democrático de Direito, contou com o apoio ativo e integral do militarismo nacional, especialmente dos generais Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Estevam Theophilo e com o almirante Garnier, assim como o general Freire Gomes e o brigadeiro Batista Júnior, que agora assumem uma posição contraria ao golpismo, que se nos configura muito suspeita, tendo em vista vir eivada e maculada por evidente omissão. Todos eram oficiais de carreira e seguidores das doutrinas ensinadas nas escolas de formação de oficiais das FFAA.
Pontue-se: a posição do general Freire Gomes que afirma ter ficado contra o golpismo e ameaçado Bolsonaro de prisão, se de fato ocorreu essa decisão, não deve servir de base para transformar esse militar em herói da pátria e da democracia. Tal atitude, como disto antes suspeita, nada mais foi que o exercício, aí sim, de seu múnus público constitucional. Em linguagem popular: nada mais fez que sua obrigação!
À toda evidência, novamente, os militares estão trabalhando na surdina, para que todos seus membros, que estão enredados com o atentado à democracia e destruição do Estado de Direito, sejam isolados, poupados e não responsabilizados por seus atos iníquos e ilegais.
Não há que se falar em volta dos militares aos quarteis, criando novamente a possibilidade de que de lá saiam, quando bem entenderem, para a pratica de ações antidemocráticas. Deve ser estabelecido, uma vez por todas, que esses militares são funcionários públicos e devem ter um comportamento cívico adequado a qualquer outra categoria funcional republicana.
As forças armadas são órgão de estado constitucionalmente subordinadas ao poder executivo e não uma casta ungida de poderes discricionários que podem ser exercidos ao seu bel prazer.
De uma vez por todas, deve ser feita e imposta a leitura correta dos termos do artigo 142 da Constituição da República, no sentido de que ali não há qualquer permissivo legal que admita o emprego das FFAA como intermediária entre os três poderes da república. Repudie-se, portanto, o entendimento de que a interpretação do referido artigo, encoraje uma ruptura do sistema democrático de governo. Que fique bem claro que o sistema constitucional brasileiro não prevê nenhuma função de poder moderador das Forças Armadas.
Finalizando aqui meu convicto apelo democrático contra o militarismo brasileiro, trago o ensinamento atualíssimo do ilustre brasileiro Flávio Dino, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que em seu voto divulgado em 31/3, data que marcou os 60 anos do golpe militar de 1964, pontifica:
Com efeito, lembro que não existe, no nosso regime constitucional, um “poder militar”. O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como aliás consta do artigo 142 da Carta Magna.
A hora é agora e não pode ser perdida a oportunidade!
Forte Apache, adeus!
Militarismo, nunca mais!
Affonso Abreu
1º de abril de 2024


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