Quando a ideologia capitalista é a matriz de gestores.

Francisco Celso Calmon

Um é a favor do desemprego, a outra é a favor de que os aposentados do INSS recebam a cada ano menos valor real da aposentadoria.

Ambos minam o governo lula para descumprir suas promessas de campanha.

Ambos são filiados à ideologia capitalista, na qual manter um exército de desempregados é regra para que os trabalhadores saibam que existem outros à espera dos seus postos de trabalho e tenham menos força de negociação para aumentos de salários. 

Prejudicar os aposentados é outra regra, pois, para o capital é mão de obra inservível, já venderam as suas forças de trabalho por décadas, já engordaram o capital, através da mais valia, o suficiente para serem descartados.  

Num momento de tragédia ambiental e humana, a manutenção da Selic elevada e levantar a velha cantilena do déficit da previdência social, não é só desumano, mas também politicamente inoportuno e sem respaldo técnico. 

Por que não apresentar um cardápio para tirar de quem tem sobrando e especulando?  Por que não estipular um imposto de guerra por pelo menos três meses sobre os que ganham mais de vinte salários mínimos? Por que não repensar na volta da CPMF (melhorada e adequada tecnologicamente)? Por que sempre penalizar os pobres e nunca os demasiadamente enricados?

No cardápio da Simone Tebet faltará para os aposentados a picanha e a cervejinha prometidas pelo Lula, e as restrições serão num crescendo, pois quer desvincular para sempre o aumento real dos aposentados, a sua proposta é a precariedade crescente sobre os idosos. Os aposentados contribuíram sobre o valor do salário real, agora propõe reverter essa regra. 

Quanto aos juros, argumentos técnicos e de gestão não mudam o papel do representante dos rentistas e bolsonarista raiz, Bob Neto, que sabota abertamente à economia nacional e o governo do presidente Lula. 

A última reunião do COPOM mostrou três sinais: primeiro, ele não tem o grupo na mão; segundo, teve que se expor e desempatar e o fez pela redução mínima de 0,25 %; terceiro, não são critérios técnicos objetivos, mas, subjetivos e de natureza político-ideológico que o presidente e outros diretores do BC usam.  

Juros altos só retraem o consumo e o investimento, sem os quais não há crescimento econômico, aumento de emprego e melhorias das condições de vida.  

Ambos, Simone e Bob, com suas propostas e medidas querem a manutenção do desemprego e da insuficiência alimentar dos aposentados.

Metas de inflação, de limites de gastos com a saúde e a educação, desconexadas de metas positivas, consoante à Constituição Federal, agridem frontalmente o artigo terceiro da Carta Magna.

Gastar mais com juros do que com a saúde e a educação a quem beneficia? Ao país e ao povo evidentemente que não.

É mister que haja metas prioritárias do bem comum: emprego, salário, saúde, educação e assistência social, dignos, como é o mandamento constitucional. 

Vamos colocar o seguinte parâmetro como exemplo: os gastos com os juros não podem ultrapassar os investimentos com saúde e educação. 

Parâmetro para o câmbio, de maneira que atenda às necessidades competitivas de exportação e de importação necessárias ao desenvolvimento econômico do país. 

Meta fome: zerar a insuficiência alimentar, enquanto não atingir a meta, os bancos pagarão um imposto temporal de 0,01% de seus lucros líquidos para socorro dos famélicos, quantia equivalente a 10,7 milhões, com base no lucro que os cinco maiores tiverem em 2023.

Meta emprego: enquanto o pais não atingir o índice de 4% de desemprego, haverá uma contribuição provisória de 0,1 dos 100 maiores empresários do país.

Meta ecológica: zero queimadas, corte irracional de árvores, garimpagem predatória, controle rigoroso de química na lavoura, etc.

Criar matérias para todo o ensino, do fundamental ao universitário, sobre ecologia. 

A presidente do PT, sempre alerta, já se postou contra Simone e Bob Neto e suas posições. E os demais partidos de esquerda, e as centrais sindicais e os movimentos sociais?

Estudantes brasileiros ainda letárgicos na luta contra a guerra genocida aos palestinos; sindicatos esqueceram de como mobilizam os trabalhadores; os culpados clamando para não procurarem os culpados; a mídia direitista, com a bandeira inócua da não politização, pregando a alienação.

Solidariedade não é passividade e nem imobilidade quanto às causas e os responsáveis da falta de prevenção ante os fenômenos climáticos, especialmente aos com potencial de destruição flagelante.

O clima mudou, a natureza vem reagindo à ação predatória que o homem lhe impõe há séculos, notadamente com a vigência de um capitalismo de desastre, no qual, como o livro Doutrina do Choque, de Naomi Klein, narra como o capital, se não provoca sempre desastres naturais, dele se aproveita para explorar a reconstrução em seu benefício.

O negacionismo, o darwinismo social e o malthusianismo da caserna vêm sendo matriz fascista expansionista no mundo diante da impotente ONU.  Entretanto, a solidariedade ainda existe e o povo brasileiro vem dando essa demonstração, apesar das trapaças e mentiras da extrema direita, bem como a juventude estudantil internacional na solidariedade ao povo palestino contra o governo genocida de Israel.

Uma tragédia provoca sentimentos diversos, geralmente é uma ocasião onde valores humanos e cívicos se sobrepõe à indiferença e às pregações raivosas e deletérias.

É uma conjuntura adequada para a promoção dos direitos humanos e dos valores ideológicos do humanismo, assim como para a elaboração de um projeto de desenvolvimento econômico ecologicamente sustentável, tendo os seres humanos e a natureza como referências centrais em vez do lucro desvairado do capitalismo.

Os eventos climáticos voltarão a acontecer e até pior, segundo previsões de cientistas. O que não pode voltar a ocorrer é a mesma ou pior tragédia humana.

Proagir, é o lema a ser obedecido doravante por todas as instâncias governamentais. Os governos devem ser proativos e não esperar acontecer tragédias para correr atrás de remendos.

A intentona de 8/1 e esta tragédia gaúcha fornecem ao Lula e ao Estado democrático de direito indicativos para onde o Brasil deve caminhar e não permitir mais retrocessos. 

Tudo é política, tudo dever ser politizado. Afinal, fora da política é a barbárie.

Francisco Celso Calmon

*Texto ampliado em relação ao original publicado.

Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Foi líder estudantil no ES e Rio de Janeiro. Participou da resistência armada à ditadura militar, sendo sequestrado e torturado. Formado em análise de sistemas, advocacia e administração de empresas. Foi gestor de empresas pública, privada e estatal. Membro da Frente Brasil Popular. Autor dos livros “Sequestro moral e o PT com isso?” e “Combates pela Democracia”, coautor dos Livros “Resistência ao Golpe de 2016” e “Uma sentença anunciada – O Processo Lula”. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Articulista de jornais e livros, coordenador do canal Pororoca.


Respostas

  1. […] Quando a ideologia capitalista é a matriz dos gestores […]

  2. Avatar de Maria da Graça Nóbrega Bollmann

    Muito bom, o artigo, uma excelente contribuição ao debate sobre a conjuntura brasileira.

Deixe um comentário

Leia mais:

Descubra mais sobre Geração 68

Inscreva-se agora mesmo para continuar lendo e receber atualizações.

Continue lendo