Por que os rituais cívicos não resolvem o problema da indisciplina escolar nas Escolas Cívico-Militares?

Lígia Bacarin

A crescente implementação de escolas cívico-militares no Brasil, caracterizadas por práticas disciplinares rígidas como o canto do hino nacional, a continência e a marcha, tem suscitado debates sobre sua eficácia na resolução da indisciplina escolar. Este artigo analisa por que essas abordagens não resolvem as questões subjacentes da indisciplina, utilizando uma perspectiva da psicologia da educação com vertente marxista e incorporando estudos recentes sobre o tema.

1. A Psicologia da Educação e os Rituais Cívicos

A psicologia da educação, sob a ótica marxista, examina como as práticas educacionais refletem e perpetuam as estruturas sociais e econômicas dominantes. Marx (1867) argumenta que a educação serve para reproduzir e legitimar as relações de produção existentes. Nas escolas cívico-militares, rituais cívicos são empregados como mecanismos de controle social, criando uma fachada de ordem e disciplina. Lefebvre (1968) sugere que tais rituais não resolvem as contradições sociais subjacentes, mas sim as ocultam, criando uma aparência superficial de conformidade.

 2. A Indisciplina Escolar e Suas Raízes Estruturais

A indisciplina escolar frequentemente reflete questões socioeconômicas mais amplas, como desigualdades sociais e falta de apoio familiar. O relatório da UNESCO (2022) indica que a indisciplina é uma manifestação de condições sociais adversas, e não apenas de comportamentos individuais. A teoria marxista afirma que a indisciplina escolar é um reflexo das contradições da sociedade capitalista, onde as desigualdades e a alienação impactam o comportamento dos alunos. Althusser (1970) argumenta que a escola atua como um aparelho ideológico que reforça as relações de produção dominantes, sem abordar as causas estruturais da indisciplina.

3. Evidências e Estudos sobre as Escolas Cívico-Militares

Estudos recentes questionam a eficácia dos rituais cívicos na resolução da indisciplina escolar. Um estudo de Silva et al. (2023) revela que, apesar da implementação de práticas disciplinares rígidas, as escolas cívico-militares não apresentam melhorias substanciais no desempenho acadêmico ou na satisfação dos alunos. A pesquisa indica que a conformidade visível obtida através dos rituais não se traduz em melhores resultados educacionais ou em um ambiente escolar mais positivo.

Além disso, o estudo de Goulart et al. (2024) sobre escolas cívico-militares no Brasil mostra que, embora esses modelos possam inicialmente reduzir incidentes de indisciplina, eles não abordam as causas subjacentes e podem até aumentar a percepção de injustiça e a falta de empatia entre alunos e professores. O estudo destaca que a ênfase em disciplina rígida e controle pode criar um ambiente opressor, sem considerar as condições socioeconômicas dos alunos.

4. Alternativas para o Problema da Indisciplina

Para lidar efetivamente com a indisciplina escolar, é necessário considerar uma abordagem mais holística que vá além dos rituais superficiais e aborde as causas sociais e econômicas subjacentes. A pedagogia crítica de Paulo Freire (1970) sugere que a educação deve promover a conscientização e a transformação social, integrando a voz dos alunos e abordando desigualdades. Estudos de Cattani (2022) mostram que práticas pedagógicas que incentivam a participação ativa dos alunos e abordam as desigualdades tendem a ser mais eficazes em melhorar o comportamento e o ambiente escolar.

Referências

– ALTHUSSER, L. (1970). Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal.

– CATTANI, A. (2022). Educação e Participação: Caminhos para uma Transformação Social. São Paulo: Cortez.

– FREIRE, P. (1970). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

– GOULART, C. et al. (2024). Análise das Escolas Cívico-Militares no Brasil: Eficácia e Percepções. Belo Horizonte: UFMG.

– LEFEBVRE, H. (1968). A Revolução Urbana. Paris: Gallimard.

– MARX, K. (1867). O Capital: Crítica da Economia Política. Hamburgo: Otto Meissner.

– SILVA, A. et al. (2023). Efetividade das Escolas Cívico-Militares no Brasil: Uma Análise Crítica. Brasília: IPEA.

– UNESCO. (2022). Relatório Mundial sobre a Educação: Desafios e Perspectivas. Paris: UNESCO.


Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin é professora de História na rede pública de ensino. Com mestrado em Fundamentos da educação e pós graduação em Educação Especial. Militante do Psol-PR e colaboradora nas mídias sociais da Geração 68.



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