Netanyahu vaiado: um símbolo da crise política e econômica de Israel sob pressão internacional

As vaias direcionadas a Benjamin Netanyahu, atual primeiro-ministro de Israel, durante um discurso, no final de setembro, revelam a crescente insatisfação da população israelense, intensificada por uma série de crises políticas, econômicas e militares. O prolongamento da guerra em Gaza, combinado com a resistência árabe, especialmente dos Houthis no Iêmen e do Hezbollah no Líbano, expôs as fragilidades do governo e do próprio projeto sionista.

Em meio a essa conjuntura, a economia de Israel sofre os impactos diretos do conflito. Estimativas apontam para um déficit orçamentário de até 14 bilhões de dólares, enquanto os bloqueios marítimos no Mar Vermelho, provocados pela resistência iemenita, ameaçam estrangular ainda mais o comércio do país, elevando os custos globais e impactando setores essenciais, como o petrolífero. Este cenário de instabilidade já é considerado um reflexo da “hemorragia fatal” de Israel, cujas repercussões podem ser ainda mais devastadoras caso novos bloqueios sejam instaurados no Estreito de Ormuz e no Mediterrâneo.

Autores marxistas como Rosa Luxemburgo e Lenin já previam que regimes colonialistas e opressores, como o de Israel, enfrentariam a crescente resistência dos povos subjugados e as contradições internas resultantes da exploração imperialista. A incapacidade de Israel em manter sua hegemonia regional, combinada com a tímida resposta militar dos Estados Unidos, reforça a hipótese de que o país pode estar enfrentando o início de seu colapso.

Dessa forma, a vaia contra o Rosh HaMemshala de Israel, não é apenas um sinal de desgaste político, mas uma evidência de que Israel, como Estado colonial, está cada vez mais isolado e fragilizado diante da pressão internacional e da resistência árabe.

Todavia, uma análise democrática e antifascista do discurso Netanyahu, envolve uma cuidadosa distinção entre críticas ao governo israelense e qualquer forma de preconceito antissemita, algo essencial no contexto de debates políticos globais.

O Rei Bibi (como é conhecido em Israel) tem sido amplamente criticado por suas políticas expansionistas em relação aos territórios palestinos ocupados, seu alinhamento com forças ultranacionalistas e a centralização de poder dentro do governo israelense. Esses aspectos de sua liderança podem ser analisados criticamente sob a ótica de uma perspectiva democrática e antifascista, que preza pelos direitos humanos, pela justiça social e pelo combate ao autoritarismo.

1. Desrespeito aos Direitos Humanos e à Democracia

Netanyahu é frequentemente acusado de minar princípios fundamentais da democracia. Sua gestão tem sido marcada pela implementação de políticas que buscam legitimar a ocupação da Cisjordânia, a construção de assentamentos ilegais em territórios palestinos e o tratamento severo de comunidades palestinas, gerando crescente tensão e violação dos direitos humanos. O mundo precisa condenar veementemente essas práticas, uma vez que a ocupação e o expansionismo territorial desrespeitam o direito à autodeterminação dos povos e consolidam uma estrutura de poder desigual.

Além disso, as tentativas do chefe de governo de Israel, de aprovar reformas judiciais que enfraquecem o poder do Judiciário, especialmente em seu próprio julgamento por corrupção, são vistas como ameaças diretas ao equilíbrio de poder e à independência das instituições democráticas. Esse movimento, comum em regimes autoritários, visa concentrar o poder nas mãos do Executivo, algo que, de uma perspectiva democrática, enfraquece a representatividade e a justiça no Estado de Direito.

2. Alinhamento com Forças Ultranacionalistas

Netanyahu tem, ao longo dos anos, formado alianças com partidos e movimentos ultranacionalistas em Israel, como o partido Otzma Yehudit (Poder Judaico), cujo histórico de declarações racistas e antidemocráticas causa preocupação. Esse tipo de aliança reforça uma retórica excludente e de superioridade étnica, elementos associados ao fascismo.

A partir de uma visão histórica, esse tipo de política que se baseia no ultranacionalismo, na xenofobia e na exclusão de grupos minoritários é inaceitável, pois contribui para a polarização e radicalização de conflitos internos. A ideia de um “Estado judeu” em detrimento dos direitos dos palestinos, uma posição que Netanyahu frequentemente sustenta, fortalece divisões e aprofunda o sofrimento da população palestina, o que precisa ser condenado por todas as democracias e todas as pessoas que defendem a Humanidade.

3. Aproximação de Líderes Autoritários

A política externa de Netanyahu também reflete uma orientação preocupante sob a ótica democrática. Ele tem cultivado relações próximas com líderes autoritários, como Viktor Orbán, da Hungria, e Donald Trump, dos Estados Unidos. Esse alinhamento com figuras que flertam com o autoritarismo, o populismo e a erosão das liberdades civis são indicativos de uma governança que se distancia dos valores democráticos. Essa aproximação não só legitima líderes que são criticados por suas tendências autocráticas, mas também cria uma rede global de apoio mútuo entre regimes que buscam solapar a pluralidade e a diversidade política em nome de um nacionalismo excludente.

Para Netanyahu, acirrar a guerra é uma questão de sobrevivência política por dois motivos centrais. Conforme análise de Marcelo Chueiri, “se a guerra terminar, seu governo cairá e ele corre o risco de ser preso, pois enfrenta acusações de corrupção e tem uma rejeição recorde de 75% entre a população israelense. Atualmente, ele perderia qualquer eleição, e sua situação é ainda mais grave do que a do ‘inelegível’ no cenário político brasileiro.” Além disso, Chueiri ressalta que “ao intensificar o conflito, Netanyahu tenta colocar o governo Biden em uma situação delicada, buscando desestabilizar a política externa americana e, ao mesmo tempo, ajudar Donald Trump a se reeleger. O apoio de Trump é crucial para sua sobrevivência política, e Netanyahu aposta na reeleição do ex-presidente para manter seu projeto sionista.”

Complementando a análise de Marcelo Chueiri, é importante destacar que a estratégia de Netanyahu reflete não apenas uma luta pela sobrevivência política, mas também uma tentativa de moldar a narrativa em torno da segurança israelense, que frequentemente é utilizada como justificativa para ações militarmente agressivas. O prolongamento da guerra em Gaza e a repressão à resistência palestina não são apenas questões de controle territorial, mas um esforço deliberado para consolidar o poder interno, desviando a atenção das crises sociais e econômicas que afligem Israel.

Pesquisadores como Shlomo Sand e Ilan Pappé apontam que a política de Netanyahu está enraizada em uma lógica de medo e segurança que perpetua um ciclo de violência. Essa abordagem serve tanto para manter sua base de apoio quanto para silenciar críticas, apresentando qualquer oposição como uma ameaça à segurança nacional. Assim, o governo israelense transforma as vozes de resistência em inimigos, o que dificulta o diálogo e a busca por soluções pacíficas.

Portanto, a análise de Chueiri se alinha a um entendimento mais amplo das dinâmicas políticas em Israel, que são moldadas por interesses pessoais e um contexto geopolítico mais amplo, onde a militarização e a repressão se tornam ferramentas centrais para a manutenção do poder. A situação atual evidencia a necessidade urgente de uma reflexão crítica sobre as políticas sionistas, buscando um caminho que promova a paz e a justiça para todos os povos da região.

4. Sionismo e Judaísmo: Separação Necessária

Ao tratar das políticas de Netanyahu, é crucial diferenciar entre o governo israelense e o povo judeu. O sionismo político promovido por Netanyahu, especialmente sua versão mais expansionista e de extrema-direita, não representa o judaísmo enquanto religião ou identidade cultural. Qualquer crítica ao governo de Israel deve se concentrar nas suas práticas políticas, e não recair em discursos que possam ser interpretados como antissemitismo.

Portanto, uma crítica democrática e antifascista a Netanyahu deve estar focada em suas políticas de governo, sem confundir sua gestão com a identidade judaica. Isso é importante, pois as críticas legítimas a um Estado ou governo não devem ser usadas para perpetuar preconceitos contra um grupo religioso ou étnico.

5. Conclusão

O discurso e as práticas de Netanyahu são uma ameaça ao equilíbrio institucional e aos direitos humanos, tanto dentro quanto fora de Israel. Suas alianças ultranacionalistas, a marginalização de populações palestinas e o enfraquecimento das instituições democráticas em Israel são consistentes com as tendências autoritárias que os antifascistas combatem historicamente. Contudo, é fundamental que essas críticas sejam feitas com clareza e distinção, sem confundir o governo de Israel com a identidade judaica ou com a complexa história do povo judeu, para que não se reforcem discursos de ódio, mas sim a luta por justiça, igualdade e democracia.

Por fim, a defesa do povo palestino é uma questão de direitos humanos e justiça, não de antagonismo religioso. O conflito em Gaza e nos territórios ocupados não é uma guerra entre judeus e palestinos, mas sim uma luta contra a ocupação e a colonização. O sionismo, como ideologia política, busca a expansão territorial e a supremacia sobre os palestinos, e não deve ser confundido com o judaísmo, uma fé e cultura rica e diversa. A resistência palestina é a luta legítima de um povo que tem o direito à autodeterminação, à vida em paz e à justiça, assim como todos os povos ao redor do mundo. Defender os palestinos é defender a dignidade humana, sem abrir espaço para discursos de ódio. A paz só será possível quando houver o fim da ocupação e o reconhecimento pleno dos direitos palestinos.


REFERÊNCIAS: 

LENIN, Vladimir Ilyich. O Estado e a Revolução. São Paulo: Editora Globo, 1980.

LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do capital. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Editora Contexto, 2015.

SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

RESISTIR.INFO. Análise sobre a situação política em Israel e Palestina. Disponível em: https://www.resistir.info/. Acesso em: 21/09/2024


Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin é professora de História na rede pública de ensino. Com mestrado em Fundamentos da educação e pós graduação em Educação Especial. Militante do Psol-PR e colaboradora nas mídias sociais da Geração 68.


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