Soldados das PMs são adestrados para fazerem o que fazem. Simples assim…

Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)


Tem uma coisa que não bate. Por que a esquerda de maneira geral, em especial algumas entidades de defesa dos direitos humanos, não discutem a questão da segurança pública enquanto uma proposta necessária e urgente do Estado no quesito qualidade de vida e dignidade da população. Vale dizer, uma maior presença nas regiões mais necessitadas (periferias, comunidades, favelas etc.) das cidades.

Ações tipo pavimentação adequada das ruas e avenidas com luz; transporte público eficiente e de qualidade; água e serviço de esgoto funcionando; escolas e saúde pública de qualidade; parques e áreas de lazer iluminadas e variadas; ao invés de só falar em investir em mais equipamentos, mais homens, mais armas, mais repressão sempre militar ou militarizada das forças ditas policiais, na verdade militares. O que acontece com essa gente do campo dos direitos humanos que continuam chamando de polícia o que não é e nunca foi polícia estrito senso?

Gente sendo baleada pelas costas, sendo jogadas de viadutos, velórios sendo invadidos por soldados da PM paulista espancando as pessoas, operações de guerra nas favelas chacinando quem encontra pela frente, invasão de escolas secundaristas públicas (particulares jamais aconteceria) com armas nas mãos e gás de pimenta nos olhos, arrogância e violência nas batidas e abordagens de gente preta, pobre e periférica. Tudo isso e muito mais acontecendo diuturnamente com apoio do governo estadual, do secretário da (in)segurança pública, mais conhecido por DeHitler, do comando da PM (Prontos pra Matar) paulista, sob os olhos vendados da “justiça” que nada faz, que nada vê, que de nada serve.

Ministério público estadual e nada é a mesma coisa. No máximo alguém se manifesta contra o que acontece e só. As corregedorias e as polícias dita Civil, que deveriam investigar essas ações genocidas, assassinas, nada fazem, atuam como um cartório para defender o que a soldadesca assassina faz e tudo bem. Fica só nisso. O país, os estados e as cidades são zonas ocupadas e controladas pelos militares, sejam das forças armadas diretamente, sejam pelas corporações militares consideradas como extensões do exército, as PM.

Ainda há, dentro do campo dos direitos humanos e da esquerda partidária ou não, gente que continua acreditando que o que acontece não passa de alguns excessos, de pessoal despreparado, seriam casos isolados (a mesma justificativa dos comandos das PM nos Estados). Enquanto isso, essa incapacidade, sabe-se lá por qual razão, de aceitar que não existe polícia, mas corporação militar fantasiada de polícia cuja função é combater (termo militar, não policial) quem o Estado considera como inimigo interno, por meio do uso intensivo da violência cruel e covarde, sempre usando armas, como se numa guerra estivessem, impede que se faça uma discussão real e concreta.

Aceita-se de mão beijada que são policiais mal treinados, sem um adestramento adequado, que precisam de melhores condições de trabalho, salários etc. Enquanto a esquerda e entidades dos direitos humanos não resolverem olhar diretamente sobre o que acontece, dando nome aos bois, não por uma questão de semântica, mas de princípio, de historicidade, de moral, ética, de desmistificar e desconstruir o que a ditadura civil e militar de 64 criou quando do hibridismo das PM pelo país, nada mudará. Ficar lamentando as chacinas, as torturas, é insuficiente.
Ficar escrevendo textos, abaixo assinados, mesmo com assinaturas de personas públicas importantes no mundo político, acadêmico, das militâncias, da imprensa, artistas etc. pouco resolve que não mais uma catarse coletiva e individual dos que assinaram e lamentaram. Na medida em que não existem ruas ocupadas, gente lutando contra todas essas violências letais dos agentes militares do Estado, pelo menos é preciso tentar desmistificar o que existe de “polícia” usando a denominação correta, chamando-os de soldados, de assassinos de uniformes, jamais de policiais.

Pode ser um começo de algo na medida em que deixando claro que as mortes causadas por soldados e não policiais, nada tem a ver com segurança pública, mas com um projeto de sociedade militarizada, controlada, mantendo guetos separados dos poderosos e com dinheiro. Mantendo os escravos atuais de todas as cores confinados nas suas senzalas atuais, só saindo para trabalhar para o Capital. Ou seja, a velha e esquecida luta de classes.

Quem faz tais operações de guerra, de ocupação e controle de áreas/regiões são soldados, são militares. O Haiti é aqui. E fazem com o intuito de dominar pelo medo constante nas pessoas, para que não esqueçam do que pode acontecer se houver algum tipo de revolta. Jogar pessoas do viaduto, balear pelas costas, espancar gente nos velórios, chacinar deficientes físicos, visuais, crianças e mulheres não são ações produzidas por excesso ou isoladas. Faz parte da tática de manter essa gente sem esperança, sempre com medo, pois pode ser a próxima a receber uma bala perdida na cabecinha. Tática de guerra, jamais policial…


Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)

Jornalista, sociólogo, membro da Comissão Justiça paz de São Paulo, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Geração 68 Sempre na Luta…



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