Ligia Bacarin e Isabel Perez
Diante da recente divulgação dos planos detalhados de um golpe articulado contra o atual governo, eleito em 2022, e da ameaça de morte que pairou sobre as principais lideranças políticas e jurídicas do país, algumas perguntas precisam ser feitas.
1. Quais os segmentos do capital interessados nesse golpe? Fala-se muito dos militares, que são a linha de fogo desse tipo de golpismo, mas não se aponta os financiadores, os reais interessados por trás dessa articulação;
2. Porque frações importantes do capitalismo brasileiro não toparam a saída golpista nesse momento?
3. Quem financiou os acampamentos na porta dos quarteis durantes meses?
Analistas acadêmicos e a imprensa burguesa se apressaram em afirmar que o golpe não se concretizou porque “alguns generais” não se curvaram. Até o momento, entretanto, ninguém apontou quais segmentos capitalistas financiaram a empreitada golpista, nem quais setores evitaram dar aval, assim como não se analisa por que o império não mostrou interesse nesse tipo de saída da crise, pelo menos nesse momento. Sabemos que militares não dão golpe por sua própria vontade e risco unicamente, pois não constituem uma classe social, embora tenham assumido historicamente no Brasil uma postura corporativista reacionária, incorporando um papel fictício de “poder moderador”, inexistente entre os poderes da república brasileira. Os militares estão a serviço do capital e a fração golpista não conseguiu apoio de outros segmentos do capitalismo brasileiro. Por pouco, é bem verdade, não obteve êxito nessa empreitada.
Os atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023, marcados pela invasão das sedes dos Três Poderes, somaram-se a outros episódios de violência política, ocorridos em final de 2022, incluindo-se o plano de assassinato de figuras de destaque como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes, além do General Freire Gomes, então comandante do exército, que seria executado após a consecução do golpe. Esse cenário suscita questões sobre quem seriam os financiadores dessas ações e qual o papel de setores como o agronegócio e a burguesia nacional. Este artigo analisa a hipótese de que setores privilegiados da economia, em aliança com militares, estariam interessados em um golpe de Estado, explorando os impactos econômicos e políticos dessa configuração.
A Base Econômica do Golpe: Burguesia e Agronegócio
Historicamente, a burguesia brasileira tem apoiado golpes de Estado quando seus interesses econômicos estão em jogo, como observado em 1964 (Fiori, 2014). Recentes investigações apontam que empresários e setores do agronegócio podem ter financiado atos violentos e antidemocráticos. A Operação Lesa Pátria revelou a prisão de empresários, ligados à logística dos atos de janeiro de 2023 e ao episódio de bloqueio das estradas por caminhoneiros, em outubro de 2022, após as eleições.
O agronegócio, um setor que representa 25% do PIB brasileiro, é frequentemente citado como um dos pilares de apoio ao bolsonarismo. Estudos mostram que o setor resistiu à política ambientalista de Lula e apoiou movimentos que favoreciam a flexibilização de leis ambientais e a ampliação de terras para exploração agrícola (Almeida, 2023). Esse apoio econômico cria um ambiente propício para financiar manifestações contrárias à atual administração federal.
Enquanto fração do capital nacional, o agronegócio desempenha um papel central na economia brasileira, mas suas demandas frequentemente entram em conflito com políticas ambientais e sociais progressistas. Como apontado por Almeida (2023), o financiamento de ações desestabilizadoras por empresários do setor está ligado ao receio de mudanças regulatórias que impactem a lucratividade. Identificamos essas ações como uma tentativa de preservar a acumulação de capital, mesmo à custa da destruição do Estado democrático.
Militarização e Conexões Políticas
As Forças Armadas sempre desempenharam um papel ambíguo na história do Brasil. Desde o golpe que instaurou a República em 1889, numa articulação entre militares e civis insatisfeitos com a monarquia, até os dias atuais. Durante o governo Bolsonaro, houve uma reaproximação entre militares e setores do poder, com a ocupação de cargos estratégicos e o fortalecimento do discurso de segurança nacional (Casarões e Farias, 2022). Dados das investigações sobre o 8 de janeiro sugerem que militares de alta patente participaram de articulações para o golpe. Essas ações não podem ser desvinculadas do contexto histórico. Segundo Carvalho (2008), as Forças Armadas brasileiras sempre atuaram como garantidoras do status quo da elite econômica, o que explica seu apoio a movimentos que ameaçam o Estado democrático, sempre que tal investida favorece a fração hegemônica do capital, na luta para garantir a manutenção de seus interesses.
Partimos do pressuposto de que as relações econômicas moldam as estruturas políticas e sociais. Assim, no contexto contemporâneo brasileiro, a financeirização, como fase avançada do capitalismo, tem reconfigurado os interesses da burguesia e sua interação com a política.
A financeirização caracteriza-se pela centralidade do capital financeiro sobre o produtivo, onde a lógica especulativa se sobrepõe às dinâmicas de produção de bens e serviços (Harvey, 2005). Essa dinâmica gera uma classe burguesa que, embora menos dependente de regimes políticos estáveis em âmbito nacional, intervém para manter condições favoráveis à circulação do capital.
No Brasil, os atos de 8 de janeiro ilustram como interesses localizados de setores do agronegócio e de médios empresários, aliados ao bolsonarismo, convergiram com estratégias globais de reprodução do capital. Esses grupos, confrontados por políticas ambientais e sociais mais restritivas do governo Lula, buscaram manter privilégios por meio do financiamento de ações desestabilizadoras. Interpretamos esses movimentos como uma luta pela preservação das condições materiais de existência da classe dominante, desconsiderando os impactos sobre a democracia.
Contradições do Capital Financeiro no Brasil
O capital financeiro, embora mundializado, não está isento de contradições locais. A burguesia brasileira não é homogênea; enquanto setores do agronegócio, por exemplo, encontram-se profundamente enraizados em interesses imediatos e locais, o capital financeiro globalizado tende a priorizar estabilidade política, ainda que com governos progressistas.
Destacamos que as crises no capitalismo emergem da contradição entre as forças produtivas e as relações de produção. No caso brasileiro, essas contradições manifestam-se nas tensões entre a financeirização — que exige estabilidade para fluxos internacionais — e os interesses de grupos internos, como o agronegócio, que pressionam por políticas de curto prazo.
O Estado funciona como um comitê executivo dos interesses da burguesia. No entanto, o vandalismo de 8 de janeiro e o plano de golpe, agora revelado claramente, revela fissuras nesse controle. As ações antidemocráticas não refletem diretamente os interesses do grande capital financeiro internacional, mas sim de uma burguesia média, que busca reproduzir privilégios através da ruptura com a democracia.
David Harvey aponta que, sob o neoliberalismo, a financeirização acentua desigualdades e intensifica crises sociais. Esse ambiente cria uma base fértil para ideologias extremistas, muitas vezes utilizadas como instrumentos para realinhar o controle político em benefício do capital.
Forças Armadas como Agentes do Capital
Compreendemos o papel das Forças Armadas como instrumentos históricos da burguesia. Durante o período do governo de Bolsonaro, os militares desempenharam funções administrativas e políticas que favoreciam a classe dominante. Em situações de crise, seu envolvimento direto em conspirações de golpe revela seu alinhamento com a manutenção das condições materiais que sustentam o poder burguês.
Evidentemente que a financeirização não neutraliza os interesses de frações do capital que, em momentos de instabilidade, apoiam golpes para defender seus privilégios. No Brasil, a convergência entre setores do agronegócio, militares e burguesia média ilustra uma luta pela manutenção de relações econômicas que favorecem a acumulação de capital, a serviço de determinados segmentos de classe, ainda que à custa da democracia. A compreensão dessas contradições é essencial para articular uma resistência eficaz e construir um projeto político voltado para a emancipação das classes trabalhadoras.
Enfim, embora setores do agronegócio e da indústria se beneficiem de políticas mais flexíveis, como a redução de impostos ou a diminuição de regulações ambientais, o capital financeiro tende a priorizar a estabilidade. Teóricos como David Harvey (2005) argumentam que o capital financeiro é movido por fluxos globais, sendo assim, golpes podem gerar instabilidade prejudicial aos mercados.
Por outro lado, a adesão de empresários de médio porte a esses movimentos reflete um interesse imediato em proteger privilégios locais, muitas vezes associados a um conservadorismo político que vê Lula como uma ameaça a esses interesses.
Não se pode negar, obviamente, a influência ideológica dos grupos sociais da ultradireita no apoio e na concepção desses atos violentos, tais como os grupos fascistas, além de grupos religiosos fundamentalistas. Um exemplo disso verificou-se com o atentado terrorista de 13 de novembro deste ano em que um homem preparou várias bombas e explodiu-se com uma delas, diante do STF. Logo após o atentado, o STF recebeu uma mensagem ameaçadora por email que continha a “imagem de uma pistola, um Catecismo da Igreja Católica e um tratado de devoção mariana: as armas da extrema direita católica contra o STF” (Lopes, 2024).
A Construção de um Estado Democrático Sustentável
As investigações sobre os atos de 8 de janeiro precisam ir além de identificar financiadores pontuais. É necessário entender como estruturas de poder político e econômico fomentam e apoiam ações que colocam a democracia em risco. A impunidade histórica, exemplificada pela falta de responsabilização após a ditadura militar, contribui para a perpetuação desses ciclos.
O Brasil vive um momento crítico em que a fragilidade das instituições democráticas está exposta. O financiamento de atos antidemocráticos, associado a setores como o agronegócio e empresários ligados ao bolsonarismo, revela uma complexa rede de interesses. A burguesia brasileira, mesmo dividida, precisa ser responsabilizada por sua participação direta ou indireta nesses episódios. Somente com reformas estruturais e um compromisso com a justiça será possível garantir um futuro democrático sustentável.
Referências Bibliográficas:
- Almeida, F. J. (2023). “O agronegócio e os riscos à democracia brasileira.” Revista de Política e Economia.
- Carvalho, J. M. (2008). A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
- Casarões, G., & Farias, D. B. (2022). “Militares e política no Brasil contemporâneo.” Revista Brasileira de Política Internacional.
- Fiori, J. L. (2014). Sobre a Ordem Mundial. São Paulo: Boitempo.
- Harvey, D. (2005). The New Imperialism. Oxford: Oxford University Press.
- Lopes, M. (2024). Primeira ameaça ao STF depois do atentado a bomba partiu da extrema direita católica. Opinião. 15/11/2024. Disponível em: https://revistaforum.com.br/opiniao/2024/11/15/primeira-ameaa-ao-stf-depois-do-atentado-bomba-partiu-da-extrema-direita-catolica-por-mauro-lopes-169361.html. Acesso em: 25 nov. 2024
Autoras:
Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin

Professora de História na rede pública de ensino. Com mestrado em Fundamentos da educação e pós graduação em Educação Especial. Militante do Psol-PR e colaboradora nas mídias sociais da Geração 68.
Isabel Perez

Assistente Social, professora universitária, mestre e doutora em Educação.


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