Carlos Eduardo Pestana Magalhães
Cena 1 – Um grupo de soldados invade uma casa numa periferia qualquer, no interior de um estado. São pelo menos quatro, mas pode ser mais. Chutam a porta, invadem a residência e ouve-se a voz de uma mulher gritando, pedindo aos soldados que estão dentro da casa que não matem os filhos. Deitados na cama, os rapazes são alvos dos soldados invasores…
Cena 2 – Uma mulher enrolada numa toalha azul na rua, enxotada da própria casa, chora e grita pedindo que não matem seus filhos. Um soldado grita com a mulher, empurra, xinga e ouve-se tiros de dentro da casa. A cena escurece…
Parece um argumento de um filme que vê nos “streaming” da vida ou em algum cinema de um shopping. Mas não é. Aconteceu no bairro Cigano, em Ibirapitanga, município no estado da Bahia localizado na microrregião cacaueira do sul do estado, no dia 3 de janeiro. A cena é cruel pela covardia e violência assassina dos soldados da PM baiana. Para os soldados nada de novo ou anormal estava acontecendo, vê-se pela calma e pelo “profissionalismo” com que executam (sic) a função. Totalmente indiferentes aos gritos e pedidos da mulher, estão apenas exercendo sua função de assassinos de uniformes. E tiveram a audácia de justificar os assassinatos informando que houve troca de tiros. A cena desmente, os tiros foram apenas dos soldados da PM baiana matando os rapazes…
Não foi uma ação policial, foi uma operação de execução. Fosse policial, os agentes munidos de um mandando judicial, entrariam na casa, prenderiam os rapazes e os levariam para serem julgados pela justiça. Esse é o trabalho e a função da polícia, um braço do Judiciário a serviço da sociedade civil. O que aconteceu não teve absolutamente nada a ver com uma ação policial. De praxe, as corporações militares PM são usadas como instrumentos de poder do Estado para reprimir com violência, crueldade e letalidade quem deve ser controlado/destruído física e culturalmente. Fazem a mesma coisa para quem pagar o preço, pouco importa quem seja…
Não é surpresa para ninguém que as PM pelo país matam por dinheiro que tanto pode vir do OGROnegócio (invasão e matança de indígenas nas suas terras, por exemplo), mineradores, políticos, bancos, empresários etc., quanto dos grupos de bandidos ligados ao crime organizado nas infinitas favelas, periferias e comunidades espalhadas pelo país. As interfaces das PM com o crime é imensa, usam do poder de fogo concedido pelo Estado para fazerem esse tipo de trabalho, eliminando competidores e/ou desafetos dos bandos criminosos, do OGROnegócio e semelhantes. Se quiserem que alguém seja morto é simples. Basta contratar as PM, pagarem e o serviço será feito…
O que aconteceu em Ibirapitanga está mais próximo dessa realidade. Os soldados foram na localidade para matar e não para prender. Como se fosse um serviço contratado. Fizeram o que era para ser feito. Tal qual os “Einsatzgruppen, (“força-tarefa” em alemão), um de tipo esquadrão da morte que foram usados pelos nazistas alemães para matar judeus nos territórios ocupados pelas forças armadas de Hitler, mas também comunistas, ciganos, deficientes físicos e mentais e qualquer tipo de opositores do regime, as PM brasileiras tem exatamente esse papel. Por estarem sob a proteção da lei, afinal são agentes do Estado, usam dessa privilegiada situação para executarem serviços para quem pagar o preço. Pagou, matou…
No caso brasileiro, há mais de 500 anos que as classes dominantes e suas elites, as oligarquias, os latifundiários, a casa grande, tudo isso bem representado hoje em dia pelo OGROnegócio, usaram e abusaram de diversos tipos de instrumentos, de agentes e corporações estatais como entidades de repressão, tortura e assassinatos dos escravos de sempre, vale dizer, dos trabalhadores em geral e da população preta, pobre e das periferias, além dos indígenas num processo continuado de genocídio secular dos povos originários.
Tem sido uma constante na História e a cada momento de totalitarismo e autoritarismo no Brasil, essas ações se intensificam, as chacinas aumentam, as impunidades crescem, tudo isso sob as vistas do ministério público federal e dos estados que nada fazem, que se tornam cúmplices dos assassinatos dos novos capitães do mato uniformizados. Vê-se claramente essa impunidade quando 17 dos 28 casos de mortes provocadas pela PM paulista na Baixada Santista, nas favelas do Guarujá, São Vicente e Cubatão, foram arquivados sem indiciamentos ou denúncias pelos promotores a pedido do ministério público de São Paulo (Operação Escudo na Baixada Santista, no final de julho e setembro de 2023). Como pode?
Essa decisão deixa claro a cumplicidade dos promotores, do ministério público, da delegacia de investigação de crimes da polícia “Civil” (responsável pela investigação criminal das ações criminosas dos soldados da PM) e de grande parte do judiciário. A “democracia” brasileira ou “a la brasileira” sempre desprezou o povo, os trabalhadores, os escravos de sempre, mesmo nos períodos considerados mais “progressistas” como agora. Por isso que fica estranho ver e ouvir os governadores petistas da Bahia (há 12 anos que o PT governa o Estado baiano) elogiarem e defenderem as ações da PM baiana. O atual governador Jerônimo por várias vezes defendeu os soldados da PM, classificando-os como “policiais” de valor que atuam dentro da lei. Não são e jamais serão policiais…
São soldados de uma corporação militar fantasiados de policiais. Atuam no sentido de manter a repressão constante e forte, atuando de forma a produzir e ampliar o medo dos que são alvos primordiais da repressão dita de segurança pública, mas que de pública não tem nada. Qualquer soldado da PM em todo país não é policial. É soldado e como tal é adestrado não para policiar, vale dizer, prender suspeitos e levar para serem julgados. São adestrados e desumanizados para matar, para combater, destruir, para atuar numa guerra onde for necessário. São assalariados, mas não são trabalhadores, muito menos seres humanos, visto que durante o adestramento, foram totalmente desumanizados, deixaram de ser humanos…
Fazer o que fazem nas quebradas da vida, não importa qual a cor do governo de plantão, deixa claro para os escravos de sempre nas senzalas modernas que a morte ronda sempre por perto, que as balas perdidas tem endereço certo nas cabecinhas dos moradores, os que teimam em se revoltarem e daqueles que não aceitam as regras impostas pelo crime organizado, as milícias e a própria PM mancomunadas com o crime e os mandantes. A grana que recebem é para manter o clima de medo, de insegurança, algo como os camisas pretas fascistas e os camisas pardas nazistas faziam na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, respectivamente.
Só que aqui, além de apavorar as pessoas, invadir residências, quebrar lojas, sinagogas etc., como aconteceu no fascismo e no nazismo, a PM tem carta branca para matar, são estimulados e recebem grana para destruir. Como nada ou pouco coisa acontece com os assassinos de uniformes, como pode existir credibilidade no Estado? E aí, aparece algum arauto da “intelligentsia” da esquerda classificando os pobres como de direita porque não votam em candidatos da esquerda, preferindo aqueles que são os responsáveis maiores de tudo que sofrem. Mas sabem que não só eles, como fica evidente na Bahia. Então, por que os escravos de sempre, pretos ou não, votariam na esquerda? Não são iguais, como pensam e se manifestam?
O voto dessa gente não é ideológico, é prático, vai para quem de alguma forma tenta solucionar ou amenizar seus problemas, reais ou não. Se resolve ou não, é outra conversa, afinal tem sempre algum deus de plantão prometendo uma vida melhor no além. Quando se vê e ouve um governador do PT, maior representante da esquerda partidária no país, defender e elogiar os soldados da PM, seja na Bahia ou em qualquer outro lugar, ou pior, não fazer nada para acabar com as matanças, punir os responsáveis, qual a confiabilidade e credibilidade que passa para a sociedade?
Como não existe nenhum projeto da esquerda, de segurança pública, para defender as pessoas mais vulneráveis da sociedade da violência cruel e letal dos agentes do Estado, porque esperar que elas acreditem nas promessas feitas durante as eleições? Todos prometem, mas realizam as promessas? Os governos progressistas aceitaram passivamente todo aparato repressivo que se formou na ditadura, quando da realização da constituição de 1988. Nada mudou, os aparatos continuam lá e foram piorados com a aprovação da Lei Orgânica das PM (Lei 14.751, de 2023, publicada no dia 13 de dezembro, no Diário Oficial da União) com incentivo e apoio do governo Lula, dando maior autonomia, maior capacidade de ação, impunidade e mantendo o comando das PM para com o exército. Mostra de forma cabal que de polícia, essa corporação não tem nada. São militares fantasiados de policiais a serviço do exército, mas também de quem paga mais. Pode ser o Estado, como pode ser qualquer um, inclusive o crime organizado…
Fonte – https://www.instagram.com/reel/DEYV-yQy1Bk/?igsh=d2Z3a3VlY2c0Ym02
Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)

Jornalista, sociólogo, membro da Comissão Justiça paz de São Paulo, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Geração 68 Sempre na Luta…


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