A ponte de Lula: progresso ou retrocesso ambiental?

Marijane Lisboa

Um terceiro Imperador? Leio hoje que Lula quer construir uma ponte ligando Salvador à ilha de Itaparica, embora tal projeto apresente problemas sérios do ponto de vista ambiental, que são inclusive objeto de ações dos Ministérios Públicos Estadual da Bahia e Federal. Não é a primeira vez que isso acontece na vida das Presidências de Lula. O secretariado do Ministério do Meio Ambiente de Marina, em 2003, nunca discutiu a conveniência da obra de Transposição do Rio São Francisco. Foi comunicado a respeito em reunião formal. O mesmo com relação ao Complexo do Madeira, ou seja, à construção das duas hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau e também à Belo Monte. Também é uma decisão de Lula a exploração de petróleo na Margem Equatorial, restando à Marina alegar a existência de contradições no seio da Frente Ampla que elegeu Lula.
Não questiono que um presidente da república possa defender projetos que fizeram parte do seu processo eleitoral que o elegeu ou que tome decisões frente a todas as novas situações que se apresentem. Ao contrário, é dele esse dever. Mas, caso se trate de políticas específicas na área de educação, saúde, meio ambiente e quaisquer outras, ele deveria ouvir seus ministros, ou discordando, demiti-los e nomear aqueles que se representem a sua maneira de ver.
E não, do alto do seu trono, decidir sobre isso ou aquilo, e daí forçar o seu ministro ou ministra a executar as suas vontades imperiais. É muita pretensão achar que entende de tudo e que pode decidir sozinho sem ouvir cientistas, gestores e a própria sociedade civil.
A política ambiental do governo Lula, em que pese os esforços da Marina, está se saindo pior do que aquela dos mandatos anteriores, pois a desculpa das “contradições no seio da Frente Ampla” vem justificando vários retrocessos. Exemplo disso entre outros, foi a Lei dos Venenos, que retirou do Ibama e da Anvisa os poderes para vetar agrotóxicos nocivos ao meio ambiente e à saúde, a aprovação da Lei do Marco Temporal, ambas ferindo direitos constitucionais e portanto objeto de judicialização no Congresso.
Agora assistimos à tentativa de extrair a fórceps uma autorização do Ibama para pesquisa de petróleo na Margem Equatorial, primeiro passo de um projeto de tornar o Brasil um dos maiores exploradores de petróleo, quando a política oficial assumida pelo governo Lula e “sua Frente Ampla”, era a de implementar os compromissos assumidos com o Acordo de Paris. Se Marina não concordar com isso, ela não é inteligente, diz Lula, enquanto acusa o Ibama de “lenga-lenga’ e todos sabemos que Rui Costa e Gleisi Hoffmann não apoiaram o MMA para se opor ao PL da Devastação, que acaba com qualquer política séria de licenciamento ambiental no país. Quando Marina foi agredida na Comissão de Meio Ambiente do Senado, coincidentemente, havia uma ausência quase absoluta de senadores do PT. No dia seguinte, Marina recebeu a solidariedade das ministras mulheres, mas apenas um telefonema de Lula e nenhuma atitude da Casa Civil . Ora, ela foi atacada não por ser mulher, mas por ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e estar impedindo, segundo o Senador Omar Azis, o progresso do país!
Não nego que a correlação de forças seja altamente desfavorável ao governo Lula no Congresso, mas isso não justifica entregar os pontos sem sequer levantar armas, como foi no caso do PL do Veneno, do Marco Temporal e agora do PL da Devastação. Tratando-se do tipo de políticos que hoje constituem a maioria dos nossos congressistas, ávidos apenas de emendas e dinheiro para seus feudos, há poucos acordos que possam ser feitos e redundem em ganhos para ambos lados. Eles querem tudo, e não dão nada de volta. Como Lula não é marinheiro de primeira viagem nem o PT um partido inexperiente no jogo parlamentar, acredito que boa parte das concessões feitas às custas do meio ambiente explicam-se porque de fato, o PT como um conjunto, concorda com a agenda do agro brasileiro e ainda é refém das arque ultrapassadas teses de que desenvolvimento é crescimento econômico movido a obras. Daí transposição de rios, hidrelétricas, petróleo, estradas, ferrovias e até pontes colossais. Mas, já que estamos em um Estado de Direito e temos lutado bravamente para preservá-lo, gostaríamos que decisões importantes fossem tomadas de forma republicana, após um debate público em que aspectos políticos e técnicos pudessem ser explorados. Nada mais humilhante para cidadãos, que não são súditos, do que ler que seu presidente declarou que a construção da tal ponte “já está acertada”. Entre quem e quem? Sem chance da sociedade civil, dos ministérios públicos e dos técnicos se manifestarem? Já resolvido entre Lula, Rui Costa e sabemos que empresas de construção civil?
Não, Lula, não votamos em você para imperador do Brasil. Isso não estava na cédula eleitoral.


Marijane Lisboa

Ambientalista, Socióloga e Professora da PUC-SP )



Resposta

  1. Avatar de amphisbaenamaximumf354c13d0f

    Da mesma forma como a Autora deste artigo diz que Lula é autoritário ao exercer o cargo de Presidente da República, há ambirntalistas que abusam na propagação de ideias distorcidas sobre política. Frente ampla é resultado de um processo eleitoral, onde o eleitor brasileiro impõe, ainda que apenas como resultado do seu voto, este arranjo de poder senão o governo eleito não se consolida e a ideia será apenas de fracasso do eleito. Dizer que Lula não ouve seus ministros (quando quis dizer a equipe da Ministra do Meio Ambiente) e que ao cumprir suas promessas eleitorais teria que optar entre cumpri-las ou demitir todos que ponderarem sobre questões ambientais, por exemplo, além de ideia autoritária e ignorância política, ou é conversa que teve talvez com um e outro membro que lhe confidenciou impotência nas decisões de governo ou é mentira apenas. Ora, há obras que devem ser feitas, mas tendo em seu meio quem aponte o máximo de cuidados em termos ambientais. Decisões não se limitam em fazer e não fazer, mas em fazer e como fazê-las. Dizer que a transposição do São Francisco não foi feito com o Ministério do Meio Ambiente certamente é distorção deliberada para uma ideia de firmar-se como a mais respeitada ambientalista.

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