Gláucio Tavares Costa*
Revisão de Maria das Graças de Alencar Teixeira Oliveira*
A primeira constituição brasileira, editada em 1824, forjou o instituto do concurso público no Brasil, preconizado que “todos os cidadãos podem ser admitidos aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja a dos seus talentos e virtudes.” No entanto, vigia na prática o pleno patrimonialismo, pelo qual a regra constitucional para o provimento de cargos público era solenemente desprezada. Naquela época, os cargos públicos eram preenchidos por indicação de políticos, refletindo uma prática elitista e excludente, como assinalou AUAR (2024). No período da Ditadura Militar brasileira de 1964-1985, existia formalmente o instituto do concurso público, entretanto a centralização do poder e a falta de transparência comprometiam a imparcialidade dos processos seletivos.
Com a Constituição de 1988, o instituto do concurso público foi fortalecido, com a imposição de processos seletivos hígidos, ao menos, para os cargos mais importantes da República. O ingresso de servidores públicos através de concursos implica a profissionalização da mão de obra, poupando a Administração Pública de eterno amadorismo com a troca de servidores vinculados por contratos temporários e outros elos laborais de natureza precária que servem ao intuito de bular o instituto do concurso público.
A profissionalização dos servidores públicos também não poderia ser alcançada se os detentores dos cargos políticos pudessem demover os trabalhadores de acordo com os seus interesses, de forma que a estabilidade no cargo público é essencial para garantir que o servidor público exerça as suas funções com segurança e imparcialidade, sujeitando-se a lei, ao tempo que evita a ingerência dos políticos.
Com efeito, a estabilidade do servidor público no cargo é a coluna vertebral do instituto do concurso público, sem a qual se opera uma verdadeira apropriação da Administração Pública pelos interesses políticos e privados, abrindo-se a brecha para a perseguição de servidores, demissões arbitrárias e demais males do patrimonialismo no serviço público.
A proposta de emenda constitucional denominada de Reforma Administrativa, assinadas pelos deputados Zé Trovão (PL-SC), Fausto Santos Jr. (União-AM), Marcel van Hattem (Novo-RS), Neto Carletto (Avante-BA) e Júlio Lopes (PP-RJ), com coordenação do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), sob a justificativa de condicionar a aquisição da estabilidade a um estágio probatório mais rigoroso, traz a figura da realização de concurso público para investidura a termo em cargo efetivo, por prazo não inferior a 10 (dez) anos. Tem-se assim um estágio probatório demasiadamente elastecido, bem superior ao período de 03 (três) que atualmente é adotado, equivalendo, na prática, a supressão da estabilidade do cargo público.
Na feição proposta pela PEC da Reforma Administrativa, como numa espécie de noivado no qual um dos noivos não ama o seu consorte e fica adiando o casamento, enquanto o outro parceiro vive aflito com receio de ser abandonado, o servidor terá que passar dez (10) anos até adquirir estabilidade, enfrentando uma década de submissão aos caprichos dos superiores hierárquicos. Durante o alongado período probatório, se um servidor constatar, por ventura, a compra superfaturadas de vacinas, tentativa de driblar a fiscalização da Receita Federal ante a apropriação indevida de joias ou outras formas de irregularidades nos órgãos públicos, não terá segurança para combater a prática ilegal, na medida em que estará sujeito a ser demitido por não ter alcançado o desempenho esperado pelo chefe nomeado e representante de dado grupo político.
Na PEC da Reforma Administrativa, há inúmeros atentados contra a profissionalização do serviço público, como a facilitação de contratações temporárias, incentivo a convênios de cooperação com entidades do terceiro setor para a contratação de trabalhadores, contudo, a eternização do estágio probatório parece ser uma das ameaças mais gravosa a qualidade do serviço público, na medida em suprime a garantia do servidor público exercer o cargo livre da interferência dos políticos.
O malogrado golpe de Estado conduzido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro falhou, mas a vontade dos políticos da Direita e do Centrão voltarem a época do império, quando o patrimonialismo reinava, ainda rasteja no Congresso Nacional, inimigo do povo.
REFERÊNCIAS
- Agência Câmara de Notícias. PEC da reforma administrativa promove resultados, governo digital e combate a privilégios. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1209763-pec-da-reforma-administrativa-promove-resultados-governo-digital-e-combate-a-privilegios/. Acesso em: 19 out. 2025.
- AUAR, Pedro (2024). A história dos concursos públicos no Brasil. Disponível em: https://www.pedroauar.com/post/a-hist%C3%B3ria-dos-concursos-p%C3%BAblicos-no-brasil. Acesso em: 19 out. 2025.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 out. 2025.
- DIASA, Nuriberg (2025). Reforma Administrativa: pontos-chave para os servidores públicos. Disponível em: https://confetam.org.br/noticias/reforma-administrativa-pontos-chave-para-os-servidores-publicos-af78. Acesso em: 19 out. 2025.
- MAIA, B. (2021). A institucionalização do concurso público no Brasil: uma análise sócio-histórica. Revista Do Serviço Público, 72(3), 663 – 684. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/4639. Acesso em: 11 out. 2025.
- NOVO, Benigno Núnez. Entendendo Concurso Público. Disponível em: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/brasil/entendendo-concurso-publico.htm. Acesso em: 11 out. 2025.
Gláucio Tavares Costa

Analista judiciário do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico, graduado em Farmácia pela UFRN e membro da direção colegiada do SindJustiça/RN.
Maria das Graças de Alencar Teixeira Oliveira, revisora,
Formada em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.


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