Amaury Monteiro Junior
Introdução
O Brasil vive sob um paradoxo de segurança pública que se aprofunda na crise política: exige-se do Estado a ordem, mas a resposta é, frequentemente, a desordem espetacularizada. De um lado, ecoa o slogan simplório e letal da extrema direita – “bandido bom é bandido morto” –, um chamado à truculência que justifica chacinas e a matança indiscriminada de pobres nas periferias. Tais operações, como as ocorridas nos complexos do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro, provam-se historicamente ineficazes para desarticular o crime, mas elevam os índices de letalidade policial a patamares recordes.
De outro lado, campeia a verdadeira cúpula do crime organizado: indivíduos de terno e gravata, financistas e corruptores cujos lucros bilionários sustentam a guerra nas comunidades.
Este artigo propõe que a violência policial hipermidiática é, na verdade, uma cortina de fumaça política. Ela desvia o olhar público para garantir a fluidez e a impunidade do crime de colarinho branco e das facções que, através do financiamento ilícito, garantem assento e poder a seus aliados na política. A luta não é contra o crime, mas contra a inteligência investigativa que ameaça os vínculos entre o poder e o dinheiro sujo.
1. A Máscara da Guerra: Truculência sem Resultado
A ideologia da “guerra às drogas” e o populismo penal priorizam o confronto ostensivo e a letalidade como métrica de sucesso. O resultado é a desumanização e a morte, principalmente da juventude negra e periférica.
Enquanto a truculência policial domina a cena, os grandes resultados de segurança pública vêm de métodos diametralmente opostos. A morte do pobre é a imagem vendida ao público como “ação”, mas ela jamais desestrutura o crime.
2. O Crime Oculto: Inteligência para Asfixiar o Poder
O sucesso real na luta contra o crime organizado reside na inteligência, na investigação e na asfixia financeira.
Operações como a Carbono Oculto representam a modernidade e a forma correta de cercear e asfixiar o crime em todas as suas dimensões, na medida em que buscam a descapitalização dos criminosos, atacando os meios de lavagem de dinheiro sujo e as ramificações do crime organizado. A Polícia Federal, ao focar no rastreamento do dinheiro, prova que o caminho eficaz é atingir as estruturas de comando.
A resistência política a este modelo de investigação se torna o principal sintoma da má-fé, revelando a seletividade da lei e a cumplicidade política.
3. O Lobby do Crime e o Jogo Político
A dualidade entre a truculência nas favelas e a complacência nos palácios expõe a verdadeira natureza da segurança pública brasileira: um jogo político onde a repressão é seletiva e a impunidade tem preço.
3.1 O Caso Master e o Ataque à Autonomia Institucional
A ameaça existencial ao crime de colarinho branco se materializou no escândalo envolvendo Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, preso por um esquema de fraudes financeiras de estimados R$ 12 bilhões.
Quando o Banco Central (BC) rejeitou a venda de parte do Master ao BRB, banco estatal do Distrito Federal, a resposta do Congresso foi imediata e agressiva. O que se viu foi a ameaça pública de intervir no Banco Central para garantir essa grande negociata, que contava com a convivência e o apoio de poderosos líderes do Centrão, como Arthur Lira (ex-presidente do Congresso Nacional) e Hugo Motta (atual presidente do Congresso).
Este movimento expôs a essência da “direita” aliada: desestabilizar uma instituição-chave do sistema financeiro nacional para preservar os interesses de um criminoso de colarinho branco. A proteção à fraude financeira bilionária é, assim, encampada por aqueles que mais bradam contra a “bandidagem”.
3.2 As Milícias e a Blindagem Estatal
A seletividade na repressão encontra seu ponto mais nevrálgico na ascensão das Milícias. Estes agrupamentos, majoritariamente, formados por agentes da segurança pública, praticam crimes com a vantagem fatal da blindagem das autoridades constituídas.
A aproximação de setores da extrema direita com estas organizações é notória. A análise dos vínculos da família Bolsonaro com milicianos conhecidos do Rio de Janeiro é um capítulo incontornável desta cumplicidade, sugerindo que o crime organizado é aceitável, desde que esteja sob controle de grupos alinhados, garantindo a vista grossa e a proteção política em altos escalões.
3.3 A Lei Antifacção e o Desmonte Seletivo
O ataque ao Banco Central para salvar um banqueiro fraudador encontra um paralelo perigoso no movimento de desmonte contra a investigação criminal eficiente.
O projeto de lei Antifacção, que deveria ser a ferramenta do Estado para atacar o crime, foi aprovado na Câmara em 18/11 sem grande debate e segue para o Senado. O ex-secretário Guilherme Derrite (aliado de Bolsonaro) reassumiu o mandato e se tornou relator do projeto, em uma manobra que visa, na prática, destruir um projeto sensato e retirar poderes da Polícia Federal na investigação de crimes de elite.
A urgência e a falta de debate escondem um perigo evidente: a possibilidade de Derrite incluir no projeto cláusulas que, sob o verniz legal, beneficiem e garantam a blindagem das cúpulas dos diversos crimes organizados do país. Este movimento se conecta à lógica da proteção seletiva: ao tentar limitar a PF e desmantelar a eficácia da lei, a direita política não combate o crime, mas sim blinda as facções que garantem seu financiamento e seus votos.
3.4 O Discurso do “Narcoterrorismo” e a Tentativa de Intervenção Estrangeira
O ápice desta manipulação ocorre na esfera geopolítica. Setores da extrema direita tentam colocar a alcunha de “narcoterroristas” nos grupos criminosos (traficantes e milicianos).
Essa retórica é uma tática para justificar medidas excepcionais e, no limite, uma intervenção estrangeira no Brasil. Tais provocações, como a conclamação de figuras ligadas à família Bolsonaro para que os EUA bombardeiem a Baía da Guanabara, revelam uma estratégia desesperada: utilizar o pânico do “terrorismo” para criar um cenário de crise que possa justificar uma recondução ao poder por meios militares ou antidemocráticos.
Conclusão: O Preço da Impunidade Seletiva
A verdadeira batalha pela segurança pública no Brasil não se trava nas vielas das favelas, mas nos corredores do poder e nos escritórios de alta finança. A tática da extrema direita é dupla: (1) usar a letalidade policial para exterminar o crime de rua e satisfazer o eleitorado, e (2) mover todas as peças políticas para desarmar o Estado (atacando BC e PF) e blindar seus aliados no crime de colarinho branco (Master/Vorcaro) e nas organizações paramilitares (Milícias).
A agenda de segurança é, portanto, uma agenda de impunidade seletiva.A luta pela Lei Antifacção, agora em curso no Senado, é a arena decisiva. A sociedade civil e o setor progressista têm a urgência de organizar as forças para abrir o debate, desmascarar as manobras do relator, e impedir que o projeto seja deturpado para beneficiar e blindar as cúpulas dos diversos crimes organizados, garantindo, sim, a autonomia e a capacidade de investigação das instituições que ameaçam o crime de gravata e seus financiadores.
Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior

Engenheiro Civil, Professor Universitário, analista do programa “A Política Nua e Crua” do Canal Arte Agora e militante do movimento Geração 68 – Sempre na Luta

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