O Preço da Impunidade: Por Que 1964 “Pariu” os Crimes de Lesa-Pátria de 2023

Da Ditadura aos Golpistas: a Luta Urgente pela Justiça de Transição e os 4 Pilares para a Reconstrução Democrática.

Amaury Monteiro Junior

1. O Auge que Não É a Vitória

Ontem, 25 de novembro de 2025, o Brasil testemunhou um marco histórico. O cumprimento dos mandados de prisão contra o núcleo principal do golpismo confirmou o triunfo da institucionalidade e selou o princípio de que, finalmente, ninguém está acima da lei.

Contudo, a reflexão de Mariliz Pereira Jorge na Folha de S. Paulo ecoa como um lembrete austero: “O Brasil venceu? Tenho dúvidas. Talvez tenha apenas evitado uma derrota ainda mais humilhante. Prender golpista deveria ser o básico, não o auge da democracia.”. Esta é a voz da maturidade cívica que sabe que a verdadeira vitória não se resume a um ato policial. Enquanto a internet celebra, nós, ativistas e patriotas, estamos remendando “nossas feridas cívicas em silêncio”.

O alívio da prisão não alcança a dor que carregamos. Eu estaria verdadeiramente feliz se minha amiga Mariluce e sua filha Tessa pudessem dar um enterro digno ao companheiro Gildo, desaparecido na ditadura. Se a família do amigo Cilon (o “Cumprido”) pudesse ocupar o espaço vazio que ele deixou. Se a amiga Tuta Garlippe tivesse sido sepultada com a dignidade devida, como tantos outros que ousaram lutar contra a ditadura militar, que foram torturados, mortos e tiveram seus corpos vilipendiados ou jamais devolvidos às suas famílias, um crime que se mantém em andamento até hoje. A eles todos, o nosso respeito e eterno agradecimento. A luta não é sobre alívio, mas sobre reconstrução.

Lembrete Urgente: A Justiça de Transição (JT) não se resume à punição, mas se baseia em quatro pilares essenciais: Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição. É a ausência plena desses pilares que nos trouxe a este ponto.

2. O Legado da Impunidade: 1964 Parindo 2023

O silêncio obsequioso sobre os crimes de 1964-1985 não apenas permitiu, mas incentivou, o ressurgimento da barbárie de 2019 a 2023. O louvor de Jair Bolsonaro ao torturador Ustra em 2016 não foi um deslize, mas a declaração de continuidade histórica.

A Falha do Campo Progressista em Não Romper com a Narrativa da Impunidade e Corrupção

Devemos, no entanto, reconhecer que nós, democratas do campo progressista, não soubemos abordar de modo consistente e reiterado esse aspecto e pouco fizemos após o desastre do período 2019 a 2022, época em que governaram o país, destruíram nossas instituições, nossos direitos duramente conquistados e causaram a perda de milhares de vidas durante a pandemia da Covid, com a reação negacionista que impediu que milhares de vidas fossem salvas.

Uma dificuldade específica que cometemos foi a de não conseguir rotular Bolsonaro & Cia como corruptos, apesar de sempre termos percebido a fundo que suas ações, durante o período de governo, foram motivadas por “roubos” claros e pela apropriação indevida de bens públicos, um aspecto de sua governabilidade que sabíamos, mas não provamos com a força devida.

A recusa em implementar a Justiça de Transição (JT) plena após a ditadura criou a cultura de impunidade que culminou nos crimes gravíssimos recentes, muitos deles motivados pela corrupção:

  • Glorificação e Negação: A glorificação e a normalização dos crimes cometidos durante a ditadura militar, bem como a negação dos princípios básicos que caracterizam a verdadeira Justiça de Transição, o que acelerou os preparativos para a tentativa de golpe do final de 2022 e início de janeiro de 2023.
  • Crimes Contra a Vida e os Direitos Humanos:
    • Homicídio Institucional e Social: Na pandemia, com a recusa deliberada e corrupta de vacinas, e o fortalecimento de uma política genocida que retornou o país ao mapa da fome, condenando os mais pobres à miséria absoluta.
    • A luta pela Justiça de Transição está umbilicalmente ligada ao respeito aos Direitos Humanos. Isso significa lutar contra os assassinatos indiscriminados em ações policiais — espetáculos inócuos contra populações pobres — enquanto Bolsonaro valorizava seus meliantes e milicianos do coração, fortalecendo o crime organizado infiltrado em todos os setores da vida econômica nacional.
  • Crimes Contra a Soberania e o Futuro da Nação (Lesa-Pátria Ampliado):
    • Corrupção e Enriquecimento Ilícito: A família Bolsonaro se fortaleceu economicamente e ficou rica a partir da apropriação de bens públicos (rachadinhas, venda de joias da Arábia Saudita) e da dilapidação do Estado. É preciso ir mais fundo nesta questão.
    • A dilapidação e privatização de empresas estatais estratégicas (Petrobras, Eletrobrás) e a entrega da soberania nacional, motivadas pelo interesse de “roubos” e desvios.
    • O assalto ao Ministério da Educação e a negação da ciência, destruindo centros de pesquisa, gerando evasão e pasteurizando o ensino (priorizando lucro, escolas cívico-militares e baixa qualidade), comprometendo o crescimento e a competitividade do país.
    • O crime contra os povos indígenas e o meio ambiente, incentivando a invasão de suas terras por milícias e quadrilhas, resultando na destruição crescente da capacidade produtiva e dos biomas, prejudicando milhares de brasileiros atuais e futuras gerações.
  • Ruptura Democrática: Na tentativa de ruptura democrática através da conspiração golpista, hoje documentada em minutas e depoimentos.

A luta contra essa herança exige que a Justiça de Transição seja aplicada de forma ampla e retroativa, abrangendo a violência de ontem e de hoje.

3. A Aplicação Plena da Justiça de Transição: Os 4 Pilares para a Reconstrução

Não podemos parar na prisão de ontem. É hora de fortalecer a democracia e expurgar, de forma definitiva, essa cultura autoritária da República.

1. O Direito à Verdade (Abertura de Arquivos)

O Estado brasileiro tem a responsabilidade de assumir sua culpa e revelar o que foi escondido. O Direito à Verdade deve ser irrestrito, cobrindo os dois períodos:

  • 1964-1985: Abertura total dos arquivos das Forças Armadas e órgãos de segurança para localizar os desaparecidos e expor a estrutura da repressão.
  • 2019-2023: Preservação e revelação de todos os dossiês e dados produzidos pelo aparato de fake news e desinformação, e dos documentos que atestam a omissão no combate à COVID-19, o desmonte dos órgãos de fiscalização e a sabotagem de centros de pesquisa e Educação.

2. O Direito à Justiça (Responsabilização Integral)

A Justiça de Transição exige que a prisão do núcleo golpista seja apenas o começo. A Justiça deve alcançar todos os conspiradores — civis e militares — que articularam a fraude eleitoral e a ruptura.

  • Crimes de Lesa-Humanidade: Processamento por crimes relacionados ao Homicídio Institucional, à política de negação social, ambiental e sanitária.
  • Crimes de Lesa-Pátria e Corrupção: Julgamento dos responsáveis pela destruição de direitos adquiridos, pela sabotagem da pauta social, pela dilapidação das empresas estatais estratégicas, pela destruição da capacidade científica e produtiva do país e pelo uso criminoso do aparato estatal para enriquecimento ilícito.

3. O Direito à Reparação

A reparação deve ser tanto individual quanto institucional:

  • Reparação às Vítimas: Garantia de reparação material e simbólica completa para as famílias das vítimas da ditadura e de violência política recente.
  • Reparação Institucional, Ambiental e Educacional: Reconstrução e blindagem das empresas, dos órgãos estratégicos (IBAMA, FUNAI, Petrobras) e das Universidades e Centros de Pesquisa que foram alvo de desmonte, reconhecendo a destruição ambiental e a negação científica como crimes de soberania.

4. Garantias de Não Repetição (Reformas Estruturais)

É urgente implementar reformas que impeçam a reincidência de tais crimes:

  • Expurgação Política: Banimento da vida pública e da administração pública de todos os representantes dessa turma que continua sabotando a República e colaborando com milícias e o crime.
  • Reforma do Sistema de Segurança e Desmilitarização: Revisão das estruturas de Estado para que as Forças Armadas retornem à sua função constitucional e cessem o aparelhamento de cargos civis, e para que as políticas de segurança pública sejam reformuladas, acabando com a lógica genocida de assassinatos indiscriminados e combatendo, de fato, o crime organizado e as milícias, em estrito respeito aos Direitos Humanos.

4. A Geração 68 e o Imperativo do Ecossocialismo

O movimento Geração 68 tem que se manter atento. Não é hora de comemorar o alívio, mas de agir em prol da reconstrução.

A falha histórica em aplicar a Justiça de Transição permitiu o ataque coordenado contra nossa soberania econômica, social e ambiental. Nossa experiência de luta exige que unamos a pauta da Justiça de Transição com a do Ecossocialismo, a única via para um futuro sustentável. Precisamos resgatar o país do entreguismo e da destruição – que se manifestaram desde a ditadura até o desmonte recente de estatais, órgãos ambientais e centros de ciência –, integrando a proteção ambiental, o combate à miséria e a soberania nacional como pilares inegociáveis.

A vitória real só virá quando responsabilizar conspiradores deixar de ser exceção, quando o Estado assumir sua culpa e quando o Brasil se tornar o país efetivamente Democrático, Soberano, Socialmente Justo, Igualitário e Sustentável que sempre sonhamos.

A Luta Continua, Companheiras e Companheiros! Às Ruas! Pela união e inteligência da Geração 68 na construção do futuro!


Amaury Pinto de Castro Monteiro Junior

Engenheiro Civil, Professor Universitário, ancora do programa A Política Nua e Crua do Canal Arte Agora, militante do movimento Geração 68-Sempre na Luta e um dos seus corrdenadores.



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