A COP DA VERDADE OU AS VERDADES DA COP-30

Marijane Vieira Lisboa

            Esperava-se que a COP-30 viesse a implementar as decisões tomadas nas anteriores, daí ter sido chamada da COP da Verdade. Mas ela reafirmou a verdade que há muito era conhecida. Os principais emissores de gases de efeito estufa não estão dispostos a abrir mão do uso de fósseis – EUA, China, Rússia e Índia; e os países que vivem do petróleo, Arábia Saudita à frente, tampouco. Em um sistema multilateral que exige o consenso para aprovação de decisões, a COP-30, como as que lhe antecederam e as que se seguirão, estão condenadas ao fracasso. É de fato risível que em uma conferência da ONU que trata de adotar medidas para enfrentar a emergência climática causada pelo uso de fósseis, seja proibido mencionar a necessidade de abandoná-los algum dia!

            A lógica das decisões por consenso do sistema ONU repousa no fato de que não há um poder maior no mundo, salvo uma intervenção armada de algum país, que seja capaz de impor a um dos seus membros a adoção de medidas das quais discorde. Salta aos olhos que nenhum país faria isso, até porque aqueles que teriam poder militar para isso estão entre os primeiros que se opõem a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, os GEE. A mudança para um sistema de aprovação por maioria,  teria apenas a  vantagem simbólica de deixar claro quem estaria em minoria, mas não de obrigar esses países a se renderem à maioria.

            A Natureza, porém, ignora esses problemas das negociações internacionais e por isso os principais cientistas do clima presentes em Belém consideraram uma verdadeira traição aos objetivos da Convenção de Mudanças Climáticas o fato de que sua 30ª Conferência não tenha mencionado a necessidade de se reduzir o uso de fósseis. Já ultrapassamos o aumento de 1,5º da temperatura média do planeta e caminhamos para 2º e talvez mais.

            O que se pode fazer? Certamente continua válido expor e denunciar aqueles que não querem reduzir, nem ouvir falar da necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e por isso é muito elogiável a iniciativa da Colômbia de convocar uma reunião internacional daqueles países que estão de acordo com essa necessidade para o ano que vem. É pressão moral.

            Também faz sentido que todos os povos exijam de seus governantes que adotem medidas para reduzir suas emissões, especialmente no caso em que sejam grandes emissores. Essa é justamente a complicação em que nos encontramos, pois boa parte dos grandes emissores e produtores não são democracias como a China, Rússia, Arábia Saudita e Irã e outros são regimes autoritários como a Índia ou algo a caminho disso, como os EUA de Trump.

            Interditada o que seria a política mais urgente, a mitigação, ou seja a redução das emissões, as políticas de  adaptação ganham maior importância. Grandes enchentes, ciclones extratropicais, secas prolongadas, incêndios em florestas, marés violentas e subida do nível do mar serão mais frequentes e mais intensos em todas as partes do globo e também aqui entre nós. É preciso preparar-se para o pior, pois ele está batendo na nossa porta.  Nossas cidades precisam ser rapidamente preparadas para absorver chuvas colossais, falta de água, ondas de calor assassinas.  A Amazônia e o Pantanal por sua vez, precisam ser preparados para enfrentar incêndios colossais e duradouras secas.

            Não faz sentido, portanto, que 73,4 % do nossos orçamento federal  para adaptação ao clima  vá para agricultura e pecuária, principalmente para indenizar produtores por perdas de colheitas em razão de eventos climáticos, como identificou recente estudo do BID e do Ministério da Fazenda. A agropecuária brasileira já é um setor altamente privilegiado pelas políticas públicas no Brasil e isso é profundamente injusto quando consideramos que quem mais sofre e sofrerá com as mudanças climáticas são as populações periféricas, povos indígenas e populações tradicionais, historicamente vulnerabilizados. Além disso, a agropecuária brasileira é a principal responsável pela emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Ou seja, ela causa o problema, mas caso sofra perdas de colheitas por secas ou inundações, nós ainda a indenizamos!

            Resta ainda, que frente ao impasse nas negociações internacionais, cada país faça aquilo que possa fazer e dê o exemplo aos demais. Sem dúvida, Lula e Brasil estariam em uma outra posição moral em Belém se não se tivesse recentemente, às vésperas da COP-30, anunciado a intenção de explorar petróleo na Margem Equatorial e ainda aberto uma nova faixa do pré-sal à exploração. Afinal, talvez o Brasil seja um dos poucos países do mundo que poderia deixar o petróleo de lado rapidamente, dadas as muitas alternativas que tem em termos de fontes renováveis e agrocombustíveis.  Argumentos como “você primeiro, porque você foi daqueles que enriqueceu primeiro com a exploração do carvão, ou porque é mais rico”, não fazem mais sentido frente à urgência e a dimensão da emergência climática. Todos deveriam fazer tudo o que podem, pois não há ganho econômico possível para ninguém em um cenário de catástrofe ambiental a médio prazo. É preciso entender que os grupos econômicos que ganham hoje com fósseis e os governos que os representam, colocam seus interesses de curto prazo acima daqueles de 7, 7 bilhões de seres humanos e seus descendentes à médio e longo prazo. Estão se lixando para o que venha a ocorrer.

            Mas, apesar desse fracasso no seu tema principal de combate às emissões de GEE, a COP 30 revelou outra verdade. Mostrou que de parte da sociedade civil  e da comunidade científica mundiais não restam dúvidas sobre a urgência de se abandonar o petróleo e realizar uma transição energética justa, que não crie novas zonas de sacrifício entre povos indígenas, populações tradicionais e periféricas. Temas como racismo ambiental, direito à terra e território e gênero foram amplamente discutidos na Cúpula dos Povos e a Marcha Global pelo Clima mostrou que longe das diferenças que dividem países, os povos do mundo estão unidos em um mesmo esforço por  garantir o futuro para as novas gerações. Esperemos que suas vozes se tornem cada vez mais altas e constranjam os países negacionistas.


Marijane Vieira Lisboa –

Socióloga, professora do departamento de História e ambientalista PUC-SP;

A professora Marijane Vieira Lisboa foi enviada à Belém como representantes da PUC-SP



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