1968: Imprecisões e Dubiedades
Texto de Waldo Silva
O pós-guerra é marcado pela mudança no desenvolvimento do capitalismo. Uma mudança definitiva de hegemonia da forma concorrencial para o modelo monopolista; que constitui um momento histórico singular de sua evolução. Trata-se do ingresso do modo de produção na “etapa de ouro” de seu desenvolvimento, assentada numa profunda revolução das forças produtivas, inaugurando um modelo de crescimento com eixo na grande produção industrial; necessariamente, acompanhada de uma extraordinária expansão da produção mercantil (produtores e consumidores separados uns dos outros e entre si).
O primeiro grande destaque deste processo deve ser destacado na fixação de um sistema de contratualização da relação capital/trabalho, através da adoção de normas e regras salariais assentadas numa relativa divisão dos ganhos de produtividade. Acrescente-se a adoção de inúmeras formas de salário indireto, como auxílio moradia, auxílio desemprego, décimo terceiro salário, férias remuneradas, pensões, aposentadorias, etc.; além de educação gratuita, financiamento da moradia, sistema de saúde, etc. Do ponto de vista político destaca-se a institucionalização do sindicalismo e do direito de greve, que permitiam à classe operária ampliar e negociar suas reivindicações. Assim, materializava-se o aceno para a classe operária com o “ingresso no paraíso”; e os efeitos destas mudanças nos parâmetros de regulação da relação capital/trabalho tiveram resultados de grande porte histórico. Em particular, na consolidação do reformismo.
Uma contradição singular se destacou neste curso: a incompatibilidade da opção com a prática do colonialismo, pela necessidade de expandir mercados; e, simultaneamente, pela necessidade de conservar a exploração colonial, para assegurar o abastecimento de matérias primas a preços aviltados. Esta contradição dá suporte a um movimento generalizado de resistência popular pela libertação nacional (em especial, com a guerra de guerrilha)[1], e abastece o conflito Leste/Oeste; generalizando situações críticas que tangenciaram a guerra nuclear. A guerra do Vietnam foi um destaque nesse processo.
Outras singularidades integram o processo de consolidação da hegemonia do sistema monopolista, destacadamente a explosão do discurso da liberdade, incorporado ao capitalismo durante a guerra contra o nazifascismo. Dela resulta o surgimento de movimentos revolucionários nos países mais desenvolvidos, expressões desta aquisição, que incluem desde beatniks, hippies, contra-culturistas, existencialistas, etc., até grupos de guerrilha urbana; movimentos diferentemente engajados na mudança de sociedade. Este processo refletiu o porte histórico das transformações em curso, que eram, ao mesmo tempo, expressões de um surto libertário associado à individualidade. Reitero que os personagens políticos desta fase são inúmeros e de grande porte histórico.
Com uma condição particular para a juventude universitária, cuja formação técnica e científica estava em perfeita inadequação com o perfil necessário do monopolismo; razão pela qual exerceu um papel destacado nas mudanças comportamentais ocorridas na segunda metade do século XX. Mudanças concernentes ao respeito aos mais velhos, à relação com as crianças, no tratamento entre homens e mulheres, no direito às igualdades civis, na negação ao racismo, no respeito à diversidade de gêneros, no direito à educação, no vestuário, nas escolhas existenciais, etc.; em especial, na “revolução das mulheres”, cuja consolidação tem sido lentamente construída. Há neste curso revolucionário uma mutação de efeitos maiúsculos: a liberdade individual invadiu a história humana.
Posto que, se as reivindicações econômico-sociais pela igualdade e pela liberdade política ficaram muito aquém dos objetivos fixados, no plano comportamental o movimento libertário construiu um mundo novo. A revolta dos jovens universitários nos anos 50/60 mudou o mundo; e não há na história humana nenhum rastro de outro processo semelhante, tão profundo e imediato; e que tenha obtido maior êxito. Contudo, este papel não foi um determinismo histórico, trata-se de um conjunto de circunstâncias; portanto, sinais de um tempo histórico particular.
Ademais, é necessário fazer uma última precisão: não foi a “geração de 68” que engajou este processo mutante; ele integra uma trajetória iniciada nos anos 1950; construção que atingiu seu ponto crítico em 1968 e que responde à fixação do capitalismo monopolista, cuja continuidade invadiu, em progressiva desaceleração, os anos 1970. Vale notar que embora nunca tenha um fim a história sempre recomeça. Felizmente.
[1] Destaco que uma grande quantidade de líderes populares de grande porte histórica surgiu no período. Trata-se de uma “transição de fase” incomum a qualquer outro momento da história humana.

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