Sempre na Luta
Texto de Cláudia Campos (Kauê)
Não posso, nem quereria, usar o fino instrumental analítico dos articulistas. Permito-me uma breve crônica sobre a militante ingênua que só muito tarde soube que tinha nascido para ser feliz, no pós guerra, à luz de direitos humanos e concerto de nações pela paz. Já na infância estranhava a nossa frágil democracia. Assisti a muitas querelas entre janistas e ademaristas e os dois lados me pareciam defeituosos. Vivi como trauma humano e politico o suicídio de Getúlio Vargas. Tudo errado. De certo, nos meus 6 anos de idade, só o Corinthians.
Morava no interior de São Paulo, e, adolescente, já fui às ruas para garantir a posse de João Goulart. Acompanhava as criações do CPC, sem nem saber o que fosse UNE.
Nada nos preparou para o golpe de 1964, vivido com espanto. De início, porém, as coisas não pareciam ter mudado muito para nós, adolescentes de classe média que nos reuníamos em torno de violões e canções de protesto.
Levamos para nossa cidade o Teatro de Arena com seu Arena Conta Zumbi, o que reforçou um sentimento de compartilhar desforra e protesto.
Em 1967 eis-me em São Paulo, na Maria Antônia, descobrindo que as coisas eram bem mais complicadas do que até então me pareciam. Abandonei parte dos meus sonhos e virei militante. Era puxado para quem levava as matérias da faculdade e ainda tinha que trabalhar. Mesmo assim, em 1968 já estava na diretoria do nosso centrinho(assim chamavam) de Letras.
Em 1968, conheci 3 dias de detenção por conta de uma manifestação da qual participei contrariada, mas sabe como é… o centralismo e tal. Só essa detenção daria uma crônica divertida. No contato com as presas comuns aprendemos, entre outras dicas, a usar as roupas no avesso. Assim, quando saíssemos do xilindró o lado direito estaria mais limpo, mais apresentável.
O AI5 me pegou no CRUSP. Moradora clandestina, não pude retirar nada do que estava no apartamento. Segui com a roupa do corpo e um dicionário de Latim. E mais a lembrança terrível de tanques na madrugada, de soldadinhos se jogando, arma em riste, nas touceiras da raia. E de um dia quente cercados no terreno do conjunto, sem comida, nem água até sermos levados para triagem no presídio Tiradentes. Alguns não voltaram dessa triagem.
Desde então o quadro começou a ficar bem mais difícil. Alertada pela organização política a que pertencia tive que deixar o emprego, viver de favor, até que me convenci de que exageravam e, em 1970, voltei a trabalhar, Essa volta também daria uma crônica, a começar pelo fato de que o amigo que me indicou o emprego teve que me pagar um lanche para eu me manter em pé. Fome. Anemia.
O começo dos anos 70 foi todo muito triste. Prisões, mortes, desaparecimentos. Todos os que sobreviveram certamente trazem as cicatrizes dessas dores e os arrepios dos perigos.
Me pergunto o que terá sustentado o ânimo dos que se viram presas desses sentimentos e desses perigos. E imagino que, como no meu caso, tenha sido a continuidade de alguma forma de militância.
Lutamos por décadas, por variadas causas, sobretudo em nome do renascimento da democracia no país. E depois de décadas sem trégua nos vem o inominável.
Como deixar, agora, de protestar contra o novo golpe que se arma no país e já ganhou grandes espaços institucionais?
No momento, só uma palavra de ordem: Às ruas, com o grito de Fora Bolsonaro já!
Há uma sequência, porém: ocupar os espaços possíveis: no ambiente de trabalho, nos bairros, nos âmbitos formadores de opinião. Mobilizar pessoas para a percepção do que está acontecendo no país e para a necessidade de fazer frente a isso.
Sou de classe média. Muitos dos que aqui se representam também o são. E o nosso papel é relevante já que é nesse estrato da população que o inominável tem bases. Que se fortaleça nesse estrato um outro ponto de vista.

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