NÃO EXISTIAM DÚVIDAS SOBRE QUEM NÓS ERAMOS – LIGIA BACARIN

Para nós mulheres o reconhecimento do ser feminino ocorre em tenra idade. Ainda criança ajudamos nossas mães nos trabalhos domésticos e recebemos nosso primeiro certificado de pertencimento ao conseguirmos sozinhas limpar com perfeição o chão da cozinha. E no mesmo período ajudávamos a cuidar dos irmãozinhos. Entendemos, nesse processo, que os laços familiares vão para além do afeito, são de responsabilidade.

Não crescemos com o entendimento que existem várias mulheridades, que cabem no que é parte específica da história de cada uma de nós. Com isso não percebemos que o feminismo se constrói nos alicerces onde a sociedade patriarcal se edificou. Dessa forma, nossa ancestralidade se ocultou, mesmo que inconscientemente ainda brote.

Em substituição ao não reconhecimento das nossas especificidades (ou do nosso lugar de fala), se naturalizou um feminismo liberal cisgênero, que não contempla sororidade, dororidade e empatia. Que não reconhece as mulheres encarceradas no sistema prisional, que não acolhe mulheres trans e travestis, que priva os grupos identitários de reconhecimento social e de direitos básicos.

Precisamos abandonar a mulher que desde crianças patriarcalmente aprendemos a ser. Precisamos construir uma chama feminista que arda por dignidade dentro de um sistema social que negocia nossos corpos e subtraí nossa essência.
Precisamos colocar em dúvida quem aprendemos a ser quando observamos o genocídio dos Ianomami, da Amazônia em chamas, da fome de mulheres e crianças quilombolas, ribeirinhas, indígenas, da vulnerabilidade dos que estão em situação de rua e de todas as vidas dizimadas pela negligenciada do governo Bolsonaro diante da covid-19.
Precisamos reconhecer nossa condição de mulheridade empoderada que luta para recuperar uma nação que foi amortizada pela precarização contínua de todas as políticas sociais – desde a educação até o acesso à cultura e o lazer – Que não se cala diante do silêncio dos culpados ou da omissão dos coniventes.

Hoje não existe dúvida sobre quem somos!

Somos mulheres reais, não hegemonizadas, não idealizadas, sem etarismo, sem capacitismo, antirracistas, anticissexismo e sem normatização dos nossos afetos e nossa diversidade corporal. Somos comprometidas com a construção de uma sociedade mais equânime, menos violenta e intolerante. E somos assim porque superamos quem inicialmente nos condicionaram a ser e assumimos o protagonismo das nossas próprias histórias nesse exato momento.

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Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin é professora de História na rede pública de ensino. Com mestrado em Fundamentos da educação e pós graduação em Educação Especial. Militante do Psol-PR e colaboradora nas mídias sociais da Geração 68.


Respostas

  1. Avatar de crisrealramos

    Debate importante. Parabéns pelo belo texto!

  2. Avatar de Maria Selma de Castro Araujo

    Parabéns Ligia pelo texto.

  3. Avatar de Isabel Perez

    Belo texto, Lígia. Quase um poema… A gente não nasce mulher, torna-se uma, como dizia Simone de Beauvoir. Tornar-se uma mulher não submissa é tarefa ingrata e espinhosa. Mas, estamos juntas!

  4. Avatar de ROSE MARY TELES SOUSA

    Lindo texto, Lígia! O patriarcado nos constrói dóceis, para ocupar lugares pré-determinados, mas nós vamos além e rompemos esses laços.

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