MINHA DOCE TROTSKISTA – ALUÍZIO PALMAR

Após o recuo ordenado pela direção do PCB, eu voltei pra Niterói, em meados de 1964. As batidas policiais haviam se amainado e a tarefa era reorganizar as bases. O golpe militar havia desbaratado os comitês municipais e de fábricas. As exceções eram as bases nas faculdades e nos colégios.


Naqueles meses de juntar cacos e organizar, eu estreitei meus contatos com os trotskistas do PORT – Partido Operário Revolucionário dos Trabalhadores. Eles tinham um jornal chamado Tribuna Operária e seguiam as teorias de J. Posadas, codinome do argentino Homero Cristalli Frasnelli.


Em Niterói, resumiam-se a um grupo pequeno, com uma base no Estaleiro da Costeira. Eu me encontrava com o pessoal do PORT na Praça da Igreja de São Lourenço ou sob as marquises da Avenida Amaral Peixoto. Meu contato mais freqüente era com Helena, uma loira de cabelos encaracolados e olhos claros. Helena morava nas proximidades da estação rodoviária de Niterói e seu pai era coronel da reserva. “Um profissional com idéias nacionalistas e democráticas”, dizia ela.


Num de nossos encontros, quando a gente fazia planos de fazer uma panfletagem nos estaleiros navais, eu avancei o sinal, dei uma rasteira na timidez, tomei coragem, e me declarei para aquela militante que defendia com ardor a classe operária e pregava a revolução mundial. Ela estava encostada em uma das imensas colunas que sustentam a marquise do antigo Banco Predial, e então, com as pernas bambas, confesso, dei um passo à frente e aproximei meu corpo do corpo dela. “Não”, disse minha doce trotskista, enquanto me afastava tocando o indicador no meu peito.


Ainda, com o dedo em riste, afastando meu corpo, Helena, me encarou e disse em tom professoral, “camarada, nessa etapa da luta, todas nossas energias devem estar voltadas para o combate à burguesia e não devemos desperdiçá-las com este negócio de namorico”
Esta foi a última vez em que me encontrei com Helena. Nunca mais a vi ou tive notícias dela. Os anos seguintes foram intensos, tensos e de abnegação.

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Aluízio Palmar é jornalista, e fundador do CDHMP de Foz do Iguaçu. Em 1969, foi preso e em 1971, banido do País, após ser trocado juntamente com outros presos políticos, pelo embaixador da Suiça. É autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” e em 2020, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida por entidades de direitos humanos e movimentos sociais. É editor do portal DocumentosRevelados.com.br


Respostas

  1. Avatar de Rosa Angela de Sousa

    Eta mulher porreta!

  2. Avatar de Edivaldo Moreira

    Sensacional, amei…

  3. Avatar de Elizabeth Maria Costa de Oiveira

    Que delícia de história

  4. Avatar de adelia13066

    A coragem e dedicação desta geração foi excepcional, alguns dos sobreviventes desta Luta passaram pela minha vida e outros ainda estão nela. Quando orgulho eu tenho em poder ter convivido e conviver com pessoas tão admiráveis

  5. Avatar de MARIA TEREZINHA INFANTOSI VANNUCCHI

    E onde está Helena?
    Fico triste. A juventude que sumiu antes da noite chegar….
    Pungente.

  6. Avatar de ROSE MARY TELES SOUSA

    Isto é que é abnegação. A juventude politizada e comprometida com a luta pagou um preço muito alto. Alguns, tiveram a própria vida interrompida.
    Adoro ler suas memórias de juventude, Aluizio!

  7. Avatar de crisrealramos

    Adorei! Esse “toco” Trotskista foi ótimo kkk

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