[ ENTREVISTA ] – FLÁVIA RIBEIRO – A LUTA POR UMA SOCIEDADE MAIS JUSTA E IGUALITÁRIA NÃO É SOLO, É COLETIVA

Na presidência da OAB Mulher do Rio de Janeiro há um ano, Flávia Ribeiro,  advogada preta, mãe de duas meninas, tem sua trajetória ligada à luta para garantir os direitos das pessoas a quem a cidadania ainda não chegou. Participou da Comissão da Verdade da Escravidão Negra, que teve importante papel no resgate histórico do período  e na proposição de políticas de afirmação e reparação para a população negra. Vinda de uma família politizada, não falta a ela consciência de classe, de gênero, de raça,  e tampouco disposição para a luta. No horizonte de Flávia está a vida plena e digna para todas as mulheres, independente da cor da pele. O empoderamento feminino é a chave para alcançá-lo.

Você preside a OAB Mulher do Rio há um ano e é a segunda advogada preta a ocupar esse cargo. Como foi o seu percurso dentro da ordem e qual é a importância do lugar que você ocupa para a representatividade feminina e negra?

Iniciei na militância da Ordem em 2016, como membra da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil. Com a minha atuação e trabalho na comissão, me tornei vice presidente. Em 2018, a presidente da Comissão OAB Mulher, a época a dra. Marisa Gáudio me convidou para participar da comissão como membra, passei pelos cargos de secretária geral, vice presidente, até chegar à presidência no ano de 2022.

Como foi a sua formação e que lutas você abraçou durante esse período?

 Iniciei a minha formação em direito no ano de 2005, aqui no Rio de Janeiro. Sempre tive consciência de gênero, raça e classe, pois venho de uma família politizada, que sempre esteve envolvida nos movimentos sociais. Na faculdade, fiz estágio na Prefeitura do Rio de Janeiro, no projeto Direitos, que dava orientação jurídica à população vulnerável: às travestis e transexuais do projeto Damas e aos egressos do sistema prisional do projeto Agentes da Liberdade. E a partir daí comecei minha militância, ajudando as pessoas.

Como foram os trabalhos e qual foi o resultado da Comissão da Verdade da Escravidão Negra? Que caminhos foram apontados para superar a realidade de exclusão enfrentada pelos pretos e pretas até hoje?

Na Comissão da Verdade realizamos muitos trabalhos, um – de maior relevância – foi o que deu origem ao censo de raça, que hoje está sendo implementado na OAB Seccional do RJ. Através desta Comissão da Verdade enviamos ofícios para todas as seccionais do país e subseções do Estado do RJ, para que elas também realizassem o censo de raça em suas sedes. Além disso,  a comissão abriu portas para advogados e advogadas negras iniciarem sua militância de ordem e de movimentos sociais, participando das ações da OAB.

No final do mês, o golpe civil-militar de 1964 completará 59 anos. Acabamos de sair de um desgoverno, no qual as FFAA tiveram participação massiva e o discurso golpista fez parte do cotidiano. O que faltou para construirmos uma cultura do “Nunca Mais”?

A construção de uma cultura do “Nunca Mais” depende de vários fatores e é um processo que envolve a conscientização, a educação e o compromisso de toda a sociedade em não permitir que os abusos e violações de direitos humanos ocorridos no passado se repitam.

Acredito que impunidade, desinformação, negação da história e indiferença, contribuíram muito para os mandos e desmandos do desgoverno passado.

Para criarmos uma cultura do “Nunca Mais” é preciso promover a educação em direitos humanos, de forma a conscientizar a população sobre a importância da defesa desses direitos e das garantias fundamentais. Além disso, é necessário responsabilizar os agentes envolvidos nas violações e fazer a reparação das vítimas e de seus familiares, reconhecer a história e a memória das violações, através de iniciativas que visem à preservação da memória coletiva e da verdade histórica e estimular a participação e o engajamento da sociedade civil na defesa dos direitos humanos e na luta contra a impunidade.

A construção de uma cultura do “Nunca Mais” é um processo longo e complexo, que exige o compromisso de toda a sociedade em defender os valores democráticos e as garantias fundamentais.

Quais são suas principais demandas na gestão da OAB mulher? Faça um balanço desse ano de gestão.

Entre as principais demandas da Comissão OAB Mulher, podemos destacar: o combate ao assédio e à violência contra a mulher; a igualdade de gênero na advocacia; o combate à discriminação e o preconceito que as mulheres ainda enfrentam no mercado de trabalho; a defesa e garantia de direitos e benefícios para as advogadas que são mães; a participação política das mulheres, na tomada de decisões, buscando aumentar a representatividade feminina em cargos públicos e nos poderes legislativo, executivo e judiciário, e na própria OAB e a educação em gênero, por meio de campanhas e eventos. Desde que tomei posse como presidente da OAB Mulher, no dia 8.3.2022, consegui – junto com minhas companheiras de comissão – a implementação da ouvidoria da mulher na seccional; o lançamento da campanha para a criação de uma Secretaria da Mulher em âmbito estadual; o atendimento à diversas mulheres em situação de violência;  informar a população sobre direito das mulheres em diversos veículos de informação e eventos;  a continuidade do clube do livro e o lançamento da campanha da Advocacia Sem Assédio, que foi levada a diversas subseções do estado.

 Quando foi fundado o Clube de Leitura OAB e qual é a sua dinâmica? Que livro você indicaria para as mulheres lerem?

O nosso Clube do Livro continua ativo, ele é coordenado pela pedagoga Evelyn Alves, e teve seu início na gestão da Presidente Rebeca Servaes e na minha vice-presidência, em 2020.

A dinâmica do clube é a leitura em grupo de um livro e a troca de vivências e experiências a respeito das leituras. Uma indicação de livro para as mulheres é o que estamos trabalhando no momento “Tudo sobre o amor – novas perspectivas” de bell hooks, que aborda a questão do amor nas relações pessoais e sociais, abrangendo temas como amor romântico, amor-próprio, amor e liberdade, amor e espiritualidade, amor e solidão, entre outros.

Você é uma mulher preta retinta,  mãe de duas meninas, que integra a maternidade ao mundo profissional, dentro de um ambiente muito machista. Como é viver assim, como  Chiquinha Gonzaga: “oh abre alas, que eu quero passar”?

 Ser uma mulher preta retinta e mãe de duas meninas em um ambiente profissional machista pode ser desafiador e exaustivo emocionalmente. Essa realidade implica ter que lidar com diversas formas de discriminação e preconceito, como o racismo, o sexismo e a misoginia.

Por alguns momentos já me senti invisibilizada e subestimada. Além disso, é muito difícil conciliar a maternidade com a carreira, devido à falta de políticas públicas que garantam direitos e benefícios para nós, mães.

No entanto, tento encontrar formas de resistência e enfrentamento dessas opressões, buscando apoio em outras mulheres e em movimentos feministas e antirracistas. Também tento reivindicar meus direitos e denunciar casos de discriminação e assédio, buscando sempre ações efetivas de proteção e reparação para todas.

É importante lembrar que essa luta não é uma luta solo e que a luta por uma sociedade mais justa e igualitária é coletiva. O empoderamento feminino e a luta contra todas as formas de opressão são fundamentais para garantir que todas as mulheres, independentemente de sua cor de pele, tenham direito a uma vida digna e plena.


Resposta

  1. Avatar de ROSE MARY TELES SOUSA

    Mulheres como a Flavia são inspiradoras.
    Conscientes do espaço que merecem ocupar, reúnem, em luta, muitas outras e vão garantindo direitos.

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