Lígia Bacarin – Julho de 2023
Em 2015, a jornalista Jessica Bennett em um artigo para a Time, intitulado “How Not to Be ‘Manterrupted’ in Meetings”, cunhou um neologismo a partir da junção em inglês “man” (homem) e “interrupting” (interrompendo) para indicar a interrupção de uma mulher por um homem, trazendo à luz o controverso termo Manterrupting.
Ao entendermos que é por meio da linguagem (tanto a linguagem verbal e a não verbal) que interagimos, porque através da mesma contribui expressivamente para a constituição da nossa subjetividade, sendo uma prática social que conduz as relações, o modo de pensarmos e inclusive como agimos, compreendemos que a ação patriarcal histórica do silenciamento e interrupção das vozes femininas é a interrupção do ser feminino em sua essência.
Tendo em vista essas implicações, o uso de uma linguagem sexista corrobora com a desigualdade, através de uma ideologia patriarcalmente dominante, da invisibilidade ao feminino e por meio da interação social, permitindo a perpetuação da violência de gênero. Sendo essa violência uma forma primária de dar significado às relações de poder, que ocorre contra as mulheres, sem distinção de raça, classe social, religião, orientação sexual, idade, entre outras condições.
Diversos estudos científicos foram realizados para verificar a existência do machismo invisível contra as mulheres em diferentes situações sociais e se evidenciou três tipos de práticas machistas: bropropriating, mansplaining e manterrupting. Como resultado, além da identificação da ocorrência diversas vezes das práticas, a maioria dos homens relatou não estar ciente de interromper qualquer pessoa ou de ter sido interrompido. Já a grande maioria das mulheres entrevistadas estavam conscientes de serem interrompidas. Dentre esses estudos, destaca-se a análise de Reevs em seu livro Mansplaining, Manterrupting & Bropropriating: Gender Bias and the Pervasive Interruption of Women.
O francês Pierre Bourdieu explica que, sob forma de esquemas inconscientes de percepção, existe uma incorporação de estruturas históricas de ordem masculina, com base nas quais as pessoas alimentam, inconscientemente, uma hierarquia de predomínio masculino que se retroalimenta de forma constante. Ou seja, historicamente as práticas comportamentais dos homens podem ser consideradas fontes de desigualdade de gênero. Por isso, identificar e classificar essas práticas se faz necessário para darmos um salto de qualidade em direção ao fim do machismo estrutural.
Nesse sentido, en passant, apresento de acordo com a Fundação Tide Setubal alguns termos que se referem a práticas de comportamentos dos homens em diferentes situações, sendo eles: o bropropriating, onde “bro” (de brother, irmão, mano) e “appropriating” (apropriação), é quando um homem se apropria da mesma ideia já expressa por uma mulher, levando os créditos por ela. O gaslighting (derivado do termo inglês gaslight, “a luz [inconstante] do candeeiro a gás”) é um abuso psicológico que faz com que a mulher acredite que está equivocada sobre um assunto ou até mesmo que enlouqueceu, sendo que ela está certa, o que a faz duvidar do seu senso de percepção, raciocínio, memórias e sanidade.
Segundo o levantamento feito pelo Movimento Mulher 360, o gaslighting no Brasil se materializa na prática cotidiana por meio de frases que estão em um grupo específico, tais como: “Você está exagerando”; “Pare de surtar”; “Não aceita nem uma brincadeira?”; “Você está louca”; entre outras. Conforme o mesmo Movimento Mulher 360, o Mansplaining, “man” (homem) e “explaining” (explicar), acontece quando um homem perde tempo explicando algo óbvio a uma mulher, como se ele achasse que sabe mais sobre o assunto do que ela e como se ela tivesse extrema dificuldade em entender. Ou quando um homem interrompe uma mulher para explicar-lhe algo que ela sabe mais do que ele. Em muitos casos o Mansplaining está ligado ao Manterrupting, quando o homem interrompe a mulher.
Para além da cronologia do termo Manterrupting, há um exemplo emblemático que ganhou repercussão mundial e foi documentado pela Think Olga. Quando em 26 de setembro de 2016, durante um debate entre Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos à presidência americana, o republicano interrompeu a adversária por várias vezes, indo contra a regra implícitas em debates. No levantamento do “Quartz” registrou-se um total 51 interrupções feitas por Trump ao longo das falas de Hillary Clinton, contra 17 dela.
No Manterrupting, o tom de voz do homem pode ser ríspido, irônico ou brincalhão. A atitude pode ocorrer em um jantar entre amigos, em um debate político ou em uma situação profissional; em ambiente privado ou público (o que inclui episódios televisionados). É importante ressaltar que o termo é utilizado por feministas para apontar esse tipo de discriminação de gênero e dirimi-la. O objetivo, não é silenciar homens, mas sim evitar que silenciem mulheres. Infelizmente esse é um comportamento bastante comum, embora invisibilizado e difícil de ser comprovado.
Dentre as problemáticas oriundas do Manterrupting, destaco que é bastante comum que as mulheres parem suas falas e não consigam concluir seus raciocínios por causa de interrupção masculina. O problema é tão sério que muitos homens sequer conseguem enxergar que isso, está além da falta de educação, é machismo, já que eles não fazem isso com outros homens.
A longo prazo, essa forma de silenciamento deixa marcas porque ser constantemente interrompida gera insegurança e falta de confiança nas mulheres a respeito de suas próprias ideias, assim como medo de manifestar impressões, uma vez que não conseguem sequer terminar uma frase. E muitas vezes, quando tentam, são consideradas prolixas e sem certeza do que estão falando. Se ainda assim insistem na fala, são vistas como desqualificadas emocionalmente ou histéricas.
Para que o Manterrupting não ocorra são necessárias mudanças comportamentais e, principalmente, que as queixas femininas deixem de ser menosprezadas. Os homens têm que ser orientados a mudar de postura e as mulheres têm que ser alertadas de que a prática da interrupção configura machismo, para que apoiem umas às outras.
É preciso agir no exato momento em que a interrupção acontece, por isso eu encorajo mulheres a bloquear o interruptor com segurança. Nesse sentido, é preciso que mulheres compreendam bem o fenômeno para o identificarem e o apontarem sempre que aconteça.
Enfim, espero que esse texto fomente a discussão dos papéis sociais estereotipados que exercem homens e mulheres na sociedade em que vivemos, uma vez que, ainda são recorrentes as situações de Manterrupting, em um claro exemplo do quanto nossa sociedade ainda é patriarcal, machista e misógina.
Lígia Bacarin é professora de História na rede estadual de ensino, mestre em Fundamentos da Educação, especialista em Educação Especial. Atualmente pesquisa semiótica, militante do Psol e faz parte do núcleo de comunicação do Geração 68.





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