Lígia Bacarin
Não há dúvidas de que foi um tanto precipitado o entusiasmo de algumas figuras da política brasileira com a provável, quase certa, indicação de Kamala Harris como candidata pelo Partido Democrata dos EUA na vaga deixada por Joe Biden. Esse entusiasmo se assemelha ao de quatro anos atrás, quando Kamala foi alçada à condição de vice-presidente. Naquela ocasião, o fato de ser uma mulher negra serviu como mote para diversas manifestações de apoio. Contudo, passados quatro anos de uma atuação apagada e conivente com as políticas imperialistas e genocidas do governo democrata, reavivar esse entusiasmo na presente corrida eleitoral parece ingênuo e desconectado da realidade material.
Por outro lado, figuras menos ilustres de uma esquerda que se autodenomina marxista prontamente reagiram, atacando com fúria o que chamaram de “mera simbologia identitária”. Para eles, a escolha de uma mulher negra, ainda que em condições atípicas, não representa avanços significativos para a luta dos trabalhadores. Utilizam o discurso da luta de classes não para promovê-la, mas para esconder um desconforto com viés machista que a indicação lhes causa. Para esses críticos, a celebração de Kamala Harris não aborda as contradições fundamentais do capitalismo e suas estruturas de opressão.
A indicação de Kamala não é apenas uma simbologia, como até muitas defensoras entusiasmadas de sua candidatura proclamam. A indicação de Kamala é muito mais consequência do que causa de inegáveis avanços da luta das mulheres pela ocupação de espaços anteriormente reservados aos homens. Basta pensar que há trinta ou trinta e cinco anos essa possibilidade não seria sequer cogitada. Isso não é pouco: a abolição das ideologias reacionárias que pregam a separação da humanidade pela falácia da existência de gêneros e raças passa necessariamente pela naturalização dessa ocupação não só em postos chaves, mas também no cotidiano de nossas atividades profissionais diversas por mulheres e negros.
No entanto, disso não pode decorrer os excessos de entusiasmo. Para qualquer pessoa, branca ou negra, homem ou mulher, republicana ou democrata, que logre a indicação para a presidência ou vice-presidência dos EUA, para secretário de estado ou ainda para chefe das forças armadas do referido país, a credencial a ser apresentada é da completa canalhice diante das guerras, genocídios, golpes de estado espalhados e financiados pelo grande capital estadunidense na sua permanente busca de lucros astronômicos.
Kamala Harris personifica a síntese desses dois fatores aparentemente contraditórios. Se isso a iguala ou a distancia de Trump é outra questão. A repulsiva figura alaranjada representa, hoje, a maior ameaça para humanidade, tanto daquela que vive dentro dos Estados Unidos, particularmente latinos, negros e pobres, como também pelo mundo afora, especialmente América Latina e Palestina. Mas isso já é outra prosa.
Ligia Maria Bueno Pereira Bacarin

Professora de História na rede pública de ensino.
Com mestrado em Fundamentos da educação e pós graduação em Educação Especial.
Militante do Psol-PR e colaboradora nas mídias sociais da Geração 68.


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