Francisco Celso Calmon
O processo eleitoral é sobretudo político, não se resume à contabilidade dos votos, junto com a conquista dos votos, temos que ver o saldo organizatório – quantos núcleos partidários e quantos comitês de luta foram criados, o quanto foi conscientizado o eleitorado, principalmente o seguimento popular.
Devemos tirar lições e não pregar a fé e colocar lente de aumento no lado menos cheio do copo; a esquerda não morreu, é óbvio, mas está enferma.
O Partido dos Trabalhadores, que até o mandato de Dilma Rousseff, tinha constante aumento em números eleitorais, por exemplo, de 2004 a 2012 o partido passou de 409 para 625 prefeitos eleitos. Caiu para 184 e alcançou neste pleito 252, sendo que em capitais foi descendo de 9, em 2004, chegou a zero em 2020 e agora um.
O PSOL que tinha um, está zerado.
Não são estatísticas alvissareiras, porém, também não são catastróficas.
O MST foi o destaque político, elegendo 43 candidatos próprios, participantes do movimento, e apoiando outros, também vitoriosos, e comprometidos com a causa da reforma agrária.
Uma eleição corrompida pela mercantilização do bilionário fundo partidário, das emendas secretas do relator e parlamentares, da distribuição desigual pelas burocracias dos partidos, que nem as cotas cumpriram, e no fim da linha a compra de votos e a infidelidade partidária.
Poder econômico e o poder político permanecem desiquilibrando a competição, de forma que não é inteiramente correto chamar o pleito de eleição democrática.
A situação da esquerda no Brasil e especialmente do PT não é conjuntural, está vindo de longe e acumulando perdas políticas, é uma crise estrutural.
Ao assumir parcelas dos poderes institucionais, a esquerda foi na mesma proporção abandonando a estratégia de transformação estrutural do sistema e seus quadros foram-se aburguesando com as benesses do poder.
O pragmatismo sem princípios é o revisionismo desses tempos pós muro de Berlim, que como uma praga foi se alastrando e destruindo os ideais de um novo mundo.
Lula abafou as bandeiras do PT e reduziu o projeto a 3 refeições.
É óbvio que sem o estomago cheio a cabeça não raciocina muito bem, contudo, para isso é necessário fomentar a consciência de luta de classe.
Em prol da frente governamental, o PT está sendo sacrificado.
Para um partido que desde o mensalão, passando pelo golpe de 2016, prisão de seu líder maior e a eleição corrompida de 2018, foi muito sacrificante ficar semivisível nestas eleições municipais, já estava convalescendo, seu sacrifício o tornou febril.
Aborto, edição de debates pela Globo, pegadinhas, armadilhas e crimes eleitorais como o do governador Tarcísio de Freitas, não são novidades, a questão é como prevenir. Como o TSE pode e deve fazer para impedir tais aberrações, como os partidos de esquerda podem e devem proagir?
Nunca vi um cafajeste atentar tanto contra o Estado democrático de direito, cometer tantos crimes, e continuar fagueiramente atingindo seu alvo principal, o Ministro do STF Alexandre de Moraes, e a PF e a PGR continuarem postergando a denúncia desse malfeitor Jair Bolsonaro. Ao postergar a denúncia desse malfeitor, para pós-eleição, alentou à extrema-esquerda.
“O mais importante é que a democracia saia fortalecida, o eleitor respeitando as diferenças, os candidatos se respeitando, isso é muito importante. Vamos ver o saldo amanhã.” Disse Haddad, afirmando em seguida que não faria uma análise das eleições sem ter em mãos os resultados oficiais.
Se o fortalecimento da democracia implica no enfraquecimento da esquerda, então, não quero fortalecer essa democracia.
O PT vai para o centro ou vai conquistar o centro? O governo é de centro-direita e o PT vai ser de centro-esquerda? Qual é a sua identidade, afinal?
O PT não está morto, está torto que nem a torre de pisa da Itália, o conserto não é horizontalizar, como Genoíno propôs, não funcionará, da mesma forma que os penduricalhos não funcionaram como desejado, é construir outra torre paralela, como este diagrama ilustra.

O povo necessita sonhar com um projeto de país, a esquerda precisa apresentar esse projeto, que seja alternativo ao sistema vigente, isto é: contraponto à democracia capitalista.
A abstenção foi a 2ª maior da história, só durante a pandemia da covid-19 foi maior, é sinônimo de desalento, desinteresse. Essa alienação é muito perigosa para a democracia brasileira.
Não podemos permitir que a esquerda leve a pecha de guardiã do capitalismo e da democracia burguesa.
Ter como eixo a luta de classes é realizar o exercício permanente de FORMAÇAO, ORGANIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO – FOP – e, para tanto, a estrutura de comunicação pública de rádios e TVs devem ter uma programação diária sobre a história do Brasil, porque conhecer a verdadeira história do país, produz uma consciência de rejeição ao pretérito da colonização, escravidão, golpes e ditaduras.
Os partidos de direita, que estão no governo, se locupletam da existência do PT e do Lula nessa coalização e não o contrário.
Ambos já cederam os anéis e pouco a pouco estão indo os dedos.
Resgatar a identidade socialista e revolucionária da esquerda, o que significa também ter como nossa a luta contra a corrupção, inerente ao sistema, rever critérios de coalizações e estabelecer eixos consensiais de atuação, ter filtros de RH para ocupantes de cargos públicos, ter hegemonia qualitativa na condução do governo, consoante ao programa vencedor nas urnas das eleições presidenciais.
E sobretudo governar com o povo. Para isso, mobilizar periodicamente a população para fazer balanços das realizações e vetores futuros.
Modernizar o desenvolvimento organizacional da esquerda, reformar o ministério do governo federal, criar uma concertação dos partidos da centro-esquerda e elaborar uma estratégia para enfrentamento da extrema-direita.
Nem o golpe “com o STF e tudo mais”, nem a lava a jato, nem o resultado dessas eleições, nem a sanha extremista e golpista expressa em “Estamos varrendo a esquerda”, palavras do bolsonarista raiz, Tarcísio de Freitas, conseguirão nos eliminar, porque a esquerda jamais morrerá enquanto viger o capitalismo.
Não farão com o PT o que fizeram com o PTB.
Isso porque o partido ainda tem forte capilaridade, tem história de gerações e sabe se recuperar.
Da crise nasce a luz, a postura do avestruz e as técnicas de marketing é que não cabem nesse balanço.
Kassab, um estrategista, Tarcísio, um operador tático do fascismo, são os vitoriosos e perigosos adversários.
A luz amarela está acessa!
Francisco Celso Calmon

Ex-coordenador nacional da Rede Brasil – Memória, Verdade e Justiça; membro da Coordenação do Fórum Direito à Memória, Verdade e Justiça do Espírito Santo. Foi líder estudantil no ES e Rio de Janeiro. Participou da resistência armada à ditadura militar, sendo sequestrado e torturado. Formado em análise de sistemas, advocacia e administração de empresas. Foi gestor de empresas pública, privada e estatal. Membro da Frente Brasil Popular. Autor dos livros “Sequestro moral e o PT com isso?” e “Combates pela Democracia”, coautor dos Livros “Resistência ao Golpe de 2016” e “Uma sentença anunciada – O Processo Lula”. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Articulista de jornais e livros, coordenador do canal Pororoca.


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