Os alertas ainda ecoam: construir uma alternativa comprometida com o interesse nacional*

Miguel Manso

Pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre “Desenvolvimento nacional e Socialismo” da Fundação Maurício Grabois, Miguel Manso defende uma política econômica voltada ao desenvolvimento do país.

No Blog do Desenvolvimento de Estudos Especiais do BNDES publicado na edição n. 25 de junho de 2024 encontramos uma avaliação preocupante do principal banco de desenvolvimento do Brasil.

O investimento é a variável fundamental para explicar a dinâmica e a trajetória da atividade econômica em função de seu duplo papel de estimular a demanda e expandir a capacidade de oferta.

Nos últimos anos, chama atenção não só o histórico de baixas taxas de investimento do Brasil – inferiores a 20% do produto interno bruto (PIB) e entre as menores dos países do G20 – como sua grande oscilação, com viés de baixa.

Como a taxa de investimento está ligada ao crescimento econômico do país, essa análise é fundamental.

Análise da FBCF pelo lado da demanda

Três setores institucionais – “Empresas não financeiras”, “Governo geral” e “Famílias” – são responsáveis por quase toda a FBCF do Brasil.

O investimento das empresas não financeiras, relacionado ao aumento da produção e serviços mercantis, tende a seguir o crescimento econômico, apresentando, portanto, queda a partir de 2014, em paralelo ao componente “Máquinas e equipamentos” do lado da oferta.

Já a FBCF do governo geral teve média de 2,3% do PIB entre 2010 e 2021, valor relativamente baixo. No mesmo período, esse indicador teve média de 5,1% no Japão; 4,7% na Coreia do Sul, 4,7%; e 3,7% na França.

Essa trajetória é preocupante, tendo em vista que os governos desempenhem papel importante não só no incentivo do investimento privado em bens de capital fixo, mas no investimento direto em obras de infraestrutura como rodovias, portos e aeroportos.

O investimento das “Famílias” é composto em grande medida por aquisições de imóveis residenciais, flutua basicamente por conta das condições de crédito do mercado imobiliário e da renda disponível dos indivíduos.

Em suma, os números sobre a FBCF no Brasil nos últimos anos apresentam um quadro geral preocupante. Em 2023, apesar do melhor desempenho da economia, os números iniciais ainda não indicam uma reversão do cenário: caiu 3,0%, fazendo que a taxa de investimento atingisse 16,5%, ante 17,8% em 2022. Faltam dados para uma construção melhor do diagnóstico dos últimos dois anos, mas é certo que a reversão desse quadro é necessária, e e a retomada consistente do crescimento econômico é condição imprescindível para tanto”.

Em entrevista recente, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad afirmou que o governo pretende entregar uma dívida bruta entre 80% e 83% do PIB ao fim do mandato de Lula. Na última divulgação do Tesouro Nacional de agosto, os débitos já estavam em 78,5%.

“Por isso é tão importante, que para cair os juros, tenha respeito às regras fiscais, uma coisa leva a outra”, disse, e continuou: “assim como quando [o BC] erra a mão nos juros para cima acaba comprometendo o funcionamento da economia e tem impacto na arrecadação. Então, uma coisa depende da outra”. “A questão fiscal e monetária ou andam juntas virtuosamente ou vamos ter problema econômico”

Mas, se a economia não cresce a patamares dos BRICS de 5%, em uma economia garroteada pela sangria dos juros exorbitantes e repasses trilionários aos especuladores, que impedem a retomada por parte do Estado de alavancar os investimentos, a situação é de fato preocupante, e podemos ter sim, não apenas problemas econômicos, mas retrocessos políticos indesejáveis.

Durante os 6 anos do governo Dilma, nós já assistimos esse filme e todos sabemos as consequências desse receituário neoliberal, a queda da presidenta e, na sequência, Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Recordando os alertas feitos em 2013 pelo então presidente do PPL, Sérgio Rubens Torres:

   “Porém, as pressões dos representantes do dólar organizado se fizeram sentir antes mesmo da posse. Enquanto Dilma falava em “erradicação da miséria”, o ministro Mantega falava em cortes”…. “Primeiro o do aumento real do salário-mínimo. Depois o das contratações e dos salários do funcionalismo”…

   As medidas de “ajuste” eram para que o Brasil crescesse a uma taxa média de 5,9% ao ano, durante o governo Dilma, e a taxa de investimentos passasse de 19,5% para 25% até o final do governo. Não se tratava de uma política recessiva, dizia Mantega, mas de um leve freio de arrumação.

   Daí para frente, foi o que se viu. Veio o pacote de fevereiro: R$ 50 bilhões de corte no Orçamento. Elevação do superávit primário. Cinco altas sucessivas da taxa básica de juros. Campanha aberta do BC e da Fazenda, contra os aumentos de salário em geral, procurando transformar os sindicatos dos trabalhadores nos vilões da inflação, retração da atividade industrial… O receituário recessivo que conhecemos de longa data e suas ineludíveis consequências.

   “O PIB se arrasta a uma taxa média anual de 2%, quando a média mundial dos países emergentes e em desenvolvimento é de 5%”. Pior: a renda que se vinha distribuindo voltou a se concentrar, aumentando a desigualdade entre os lares e as regiões do país. A taxa de investimentos regrediu e a indústria nacional foi mudando de bandeira sem que novos investimentos e tecnologias fossem aportados ao parque produtivo do país”.

Sergio Rubens Torres, neste mesmo pronunciamento, indicou o caminho a seguir:

Pontos básicos para Construir uma alternativa comprometida com o interesse nacional

  1. Retomar o crescimento econômico, com base na ampliação do investimento público e expansão do mercado interno – redução dos juros, aumentos reais de salários e aposentadorias, mais empregos.
  2. Priorizar as empresas genuinamente nacionais (privadas e estatais) nos financiamentos – especialmente os do BNDES – e nas encomendas do Estado.
  3. Transformar o pré-sal num grande fator de desenvolvimento. Construir uma alternativa comprometida com o interesse nacional econômico, priorizando a Petrobrás – na exploração e produção do petróleo ali contido – e os fornecedores genuinamente nacionais de equipamentos e insumos para essa atividade. Multiplicar o número de refinarias, expandir a indústria petroquímica.
  4. Ampliar a infraestrutura – estradas, ferrovias, aeroportos, portos e energia –, principalmente através do setor público, cuja gestão em áreas e empreendimentos estratégicos é mais apropriada à satisfação dos interesses coletivos.
  5. Desenvolver a ciência, a engenharia nacional e os setores de tecnologia de ponta vitais para a nossa independência – especialmente a microeletrônica, informática, telecomunicações, engenharia genética, energia nuclear, engenharia aeroespacial, materiais estratégicos e a indústria da defesa. Retomar o projeto de reativação da Telebrás para a universalização da banda larga.
  6. Participação do Estado no fomento e principalmente na difusão das realizações dotadas de excelência e relevância para o desenvolvimento da cultura nacional.
  7. Educação e Saúde: pública, gratuita e de qualidade para todos.
  8. Transporte de qualidade, a preços populares.
  9. Reforma Agrária.

*Miguel Manso é pesquisador do Grupo de Pesquisa sobre Desenvolvimento nacional e Socialismo da Fundação Maurício Grabois – Engenheiro Eletrônico formado pela USP e Coordenador de Políticas Públicas da Engenharia pela Democracia – EngD.



Resposta

  1. Avatar de Douglas da Mata

    Companheiro.

    Ouso discordar, respeitosamente.

    As franjas periféricas do capitalismo não conseguem reverter esse lapso histórico (contingente), a não ser em condições muito específicas e, ao mesmo tempo, excepcionais, e que por essa circunstância, confirmam a regra.

    Não houve movimento histórico sustentável nesse sentido em nenhuma região do planeta.

    Não nos é possível acreditar que a versão distributivista de Estado consiga suprir as condições necessárias de acumulação primitiva para surgimento de ciclos duradouros de produção, e de ampliação de um suposto mercado de consumo.

    Essa hipótese (cepalina) foi, razoavelmente, desconstruída por Conceição Tavares, e ainda que no campo teórico não encontra sustentação plausível.

    Hoje, com a retração sistemática da participação da produção capitalista na renda mundial, cujo montante está dezenas de vezes menor que o acumulado financeirizado e alavancado, essa equação chamada nacional desenvolvimentista é pouco plausível.

    Só a construção da alternativa anticapitalista (antes que o capitalismo se transforme em algo ainda pior, como vem acontecendo) poderá oferecer uma saída para os povos do sul global.

    Tal alternativa não passa por ignição de investimento estatal para mover as estruturas moribundas do capital periférico, que uma vez alimentados, seguirão para o buraco negro rentista que o espreita.

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