O alerta vermelho que sai das eleições

Por Rodrigo Tomazini e Robério Paulino*

Mal as urnas haviam sido fechadas e diversos analistas políticos, estudiosos e mesmo os chamados “palpiteiros” colocaram rapidamente suas opiniões sobre quem venceu as eleições, os méritos de determinados partidos e candidaturas e os deméritos de outros. As avaliações são para todos os gostos e as fontes para que sejam afirmadas as posições também. 

Quando observadas as legendas, de fato, é possível afirmar que o PSD e o MDB foram os grandes vitoriosos no pleito. Já observando o campo ideológico, pode-se dizer que a esquerda foi a grande perdedora e a “centro direita” a vencedora. Mas tudo é relativo. Comparando com a polarização de 2022, observamos que nem Lula, nem Bolsonaro saíram vencedores. 

O sistema político brasileiro, de presidencialismo de coalizão, no qual Lula governa aliado mesmo com partidos de direita, é muito complexo e fazer avaliações apressadas não nos levará a entender mais a fundo qual é o problema central da crise da esquerda, que não se limita às eleições, mas tem a ver centralmente com a política econômica e social.

Primeiro, é importante entender que a crise da esquerda não se resume ao Brasil, é uma crise internacional. A ascensão aos governos do campo progressista como do partido Syriza, na Grécia, do Podemos, na Espanha, e de governos de presidentes como Evo Morales, Hugo Chavez, Rafael Corrêa, Boric, na América Latina, não deram as respostas necessárias à população e geraram grande frustração, o que abriu espaço para o crescimento da direita. 

Esses fatos, combinados com a crise econômica de 2008, trouxeram enormes desafios, dificuldades e desgaste para a viabilidade da esquerda nos governos. A falta de respostas desses governos às demandas efetivas do povo, somadas à crise econômica internacional, levou muitos deles a rapidamente sucumbirem e a extrema-direita a crescer e tomar um lugar que há muito não ocupava. A provável volta de Trump ao governo dos EUA vai ser um estímulo ainda maior para o crescimento da ultradireita no mundo.  

No Brasil, não foi diferente: os governos Lula 1 e 2, surfando no crescimento econômico, trouxeram políticas de compensação para a classe trabalhadora, facilidades de aquisição de produtos da linha branca, de automóveis e casas populares, assim como uma importante queda do desemprego. Já o governo Dilma 2 foi afetado duramente pela crise econômica global, que chegou ao Brasil de forma tardia, mas forte, apesar de Lula classificá-la como uma marolinha. 

Aquela crise econômica, uma política econômica de arrocho fiscal do governo, aliados ao desgaste da esquerda mundial e à reorganização da extrema-direita no Brasil e no mundo, levou à derrubada de Dilma, através da Operação Lava Jato, uma operação jurídico-criminosa. O discurso “anticorrupção”, possibilitou a ascensão da direita, trazendo depois Jair Bolsonaro ao governo, até ali um político insignificante. 

De lá para cá, mesmo depois da vitória de Lula em 2022, que gerou grande expectativa, a situação do povo pouco mudou. A polarização política continua, a direita segue crescendo, e a dificuldade em chegar a uma conclusão quanto ao resultado eleitoral, ou seja, sobre quem são os vencedores e os vencidos, demonstra isso.

Há um provérbio chinês que diz: “Se você não mudar de direção, terminará exatamente onde partiu”. Como bem reflete esse provérbio, além da conjuntura internacional, precisamos olhar para nossa casa. O governo Lula 3 assume com a esperança de milhões de brasileiros, de voltar a trazer saúde de qualidade, educação, emprego, assistência social e todos os outros benefícios que almejam.

Em parte, foi essa expectativa, gravada na memória do povo pelos dois primeiros governos de Lula, que possibilitou derrotar Bolsonaro e a extrema direita, especialmente no Nordeste brasileiro. Lula bateu insistentemente na tecla das três refeições diárias, pão na mesa do trabalhador, picanha e cerveja, ou seja, mudar radicalmente os rumos do país, não apenas nos costumes, mas pincipalmente na política econômica.

Infelizmente, nesses dois primeiros anos, não foi isso o que ocorreu, o que até agora tem levado a uma grande frustração de vastos setores da população, por fora da militância política, que defende Lula a qualquer custo. O governo Lula 3, na pauta dos costumes, até que nos tirou um pouco da Idade Média, da barbárie da velha moral, porém, não é isso o que mais importa à grande maioria da população. 

O Arcabouço Fiscal, implementado por Haddad e Tebet, em quase nada difere do Teto de Gastos de Bolsonaro e Guedes. Só beneficia banqueiros, grandes empresários e agiotas da dívida pública, e leva a que a população não veja resultado na tão prometida mudança. Essa política foi o motivo para dar 0% de reajuste aos servidores e professores das universidades e institutos federais em 2024. Vejamos isso mais de perto.

Tal política de extremo arrocho fiscal, aprovada no primeiro ano do governo Lula, com votos, infelizmente,das bancadas do PT, PSB, PV, PCdB, juntos com toda a direita, apenas se limitou a maquiar um pouco o aperto fiscal de Henrique Meireles, ex-ministro do golpista Michel Temer. Entre todos os partidos do Congresso, apenas a pequena bancada do PSOL votou contra. 

A insistência de Haddad em incluir um teto para investimentos em saúde e educação, desrespeitando inclusive as garantias constitucionais nesse quesito, a manutenção do Novo Ensino Médio, a não revogação da Reforma Trabalhista de Rogério Marinho e a proposta de uma Reforma Tributária branda – assim mesmo derrotada nos últimos dias -, não fizeram com que a população tivesse acesso àquilo que ela mais esperava quando elegeu Lula em 2022. 

É importante frisar que não estamos negando avanços em relação a Bolsonaro, não se trata disso. A derrota de Bolsonaro foi uma grande vitória em si mesma contra o fascismo, limitando sua sanha autoritária. Mas é preciso entender que a população quer ver mais que isso, quer mudanças reais na sua vida. Para isso, a política econômica precisaria tomar outros rumos agora.

Nas últimas semanas, foram divulgados alguns dados positivos sobre queda do desemprego. Mas isto não foi fruto de mais investimentos ou gastos públicos, que estimulassem a economia, naquilo que os economistas chamam de multiplicador keynesiano de gastos, mas sim da descompressão da economia privada. 

A justificativa de que estamos em um governo de coalizão, na verdade de adaptação à lógica do capital, que paralisa e desgasta a esquerda, faz com que discursos de saídas fáceis da extrema direita, como de Marçal, em São Paulo, mostrem-se mais atrativos à população em geral e ecoem, especialmente em setores da juventude, do que as saídas apresentadas pela própria esquerda. O empreendedorismo é somente um deles.

O alto nível de abstenção e a alta votação em candidaturas outsiders, como a de Marçal, indicam desilusão do povo no sistema político e que podemos estar trilhando um caminho muito perigoso, uma rota que poderá trazer, já em 2026, a extrema-direita de volta ao governo federal, dessa vez ainda mais raivosa, aos moldes de Javier Milei na Argentina, ou então uma extrema-direita mais clássica, como a de Tarcísio.

Obviamente, diferentemente do que muitos coveiros de direita apregoam, a esquerda não está morta nem nunca morrerá, porque é portadora do futuro. Mas o alerta vermelho foi aceso: ou o governo Lula muda o rumo de sua política econômica e social agora ou muito provavelmente entregará o país de volta à direita já em 2026.


*Publicado originalmente no Portal Saiba Mais


Resposta

  1. Avatar de Douglas da Mata

    Texto importante, óbvio.

    Há algumas considerações:

    Eu percebo que há uma confusão para determinar o peso e capital político da esquerda (e sua relevância histórica) com resultado de eleições.

    A eleição é circunstância importante, mas não é a única, e talvez esse problema conceitual esteja na base da “crise” da esquerda mundial, apesar de eu achar um erro diagnosticar esse momento histórico como “crise”.

    Ora, a aceitação desse termo pressupõe imaginar que a esquerda tenha chegado, em algum tempo, como hegemônica em algum país do mundo, ou que fosse dela a iniciativa da agenda política em algum canto.

    Salvo URSS, Cuba e outros casos excepcionais, a esquerda, ainda que no governo, sempre esteve acordada, como Allende, ou subjugada, como Lula.

    No auge da popularidade e do sucesso da política (insuficiente) de inclusão pelo consumo, com o boom das comoditties, Lula não ultrapassou 150 deputados do PT, longe disso.

    Assim, não há “crise”, pois esse é o estado “natural” da esquerda no Brasil e no mundo.

    As duas guerras e o período pós guerra foram cruciais para o destino das esquerdas, que foram sugadas pelo patriotismo de guerra, e depois, foram incapazes de superar o apelo do wellfare state que veio depois.

    A esquerda passou da luta anticapitalista para mergulhar na tarefa de governar o capitalismo, talvez assombrada pelo horror nazifascista, e assumindo (erradamente) uma culpa pelo surgimento desses movimentos na Europa.

    Mais ou menos como acontece agora, quando Lula parece quase pedir desculpas por existir, e sussurra baixinho qualquer posição mais progressista para não admoestar o monstro fascista que foi colocado no canto.

    A tal da polarização (inexistente, pois Lula e o PT não são extremos, nem polos de nada) quando mencionada faz o governo borrar as calças.

    Enfim, os “avanços” são cosméticos, haja vista que no período Temer Bolsonaro 40 milhões voltaram para miséria.

    Sem distribuição efetiva de renda (o índice Gini entre 2003 2024 mexeu muito pouco), sem fazer rico pagar imposto, é melhor desistir.

Deixar mensagem para Douglas da Mata Cancelar resposta

Leia mais:

Descubra mais sobre Geração 68

Inscreva-se agora mesmo para continuar lendo e receber atualizações.

Continue lendo