Revertere ad locum tuum

Frase inscrita no pórtico do cemitério de Poços de Caldas.

Tomás Togni Tarquínio

Minhas duas pequenas histórias são adequadas ao dia de Finados. Dia talvez consagrado ao absurdo; como sugeriu Camus, nascemos para em seguida morrer, qualquer dia, qualquer hora, em qualquer lugar.


Nos anos 1980, eu visitava regularmente meu amigo Jean Tatin, vini-viticultor, produtor de vinho branco Quincy e de Reuilly, branco, tinto e rose. Ele e sua esposa, Chantal Wilk, moravam em Méry sur Cher, vilarejo de 700 habitantes situado na região do Berry, Val de Loire, quase centro da França.


Certa feita, visitei o pequeno cemitério. Como muitos o fazem, percorri túmulo por túmulo. De repente, uma tumba recém construída, branca e refulgente, novinha em folha, se destacava das demais com antigas lápides erodidas pelo tempo. Verifico o nome do recém morador.

Surpreso, constato que o habitante nascera no mesmo dia, mês e ano do que eu. Impressionado e perturbado, para não dizer mais, conto minha desventura ao casal. Jean me pergunta: “sabe como morreu? Ele foi passar férias na ilha de Oléron com a família, deitou-se na areia para tomar sol, dormiu e nunca mais acordou”.


No Brasil, diante de circunstâncias semelhantes, costumam citar um lugar-comum, batido, piegas, porém verdadeiro axioma, verdade cristalina, perceptível desde a tenra infância: “para morrer basta estar vivo”.


Talvez por essa razão em várias partes do mundo e sabiamente, destinaram um dia para nos lembrar de nossa finitude, a minha, a tua, a nossa.


Finados é um excelente dia para reeditar a foto de meu “Vanitas”, tirada no consultório de meu finado amigo dentista, Klinger Andrade, em Poços de Caldas. Quando criança, eu me tratava com seu pai que também cuidou dos dentes de minha mãe ainda menina, no segundo decênio do século passado. Tanto ela, quanto eu, infantes, ficávamos apavorados com a caveira pousada no armário, crânio passado de pai para filho e neto. Seu “Juca Dentista” afirmava, sorrindo, que era a caveira de Mister Harvey, inglês que viveu e morreu nas paragens.


Nomeei a foto “Vanitas”, inspirando-me nesse estilo de pintura nascida no Século XVI. Algo aparentado ao gênero “Natureza Morta”, denominação mais elegante por tentar embelezar o caráter trágico e cru da finitude. Ambos gêneros de pintura são completamente diferente das “Três Graças” estilo pictório que celebra a beleza, a mulher e a vida, reproduzida por inúmeros pintores, clássicos e contemporâneos. Ao contrário do que siginifica as “Vanitas”, alegoria da morte, do tempo que passa contra o qual nada podemos fazer, da transitoriedade da vida, da vacuidade das paixões e prazeres.

VANITAS DE TTT, foto tirada com Kodak Instamatic 100.

VANITAS: óleo de Philippe de Champaigne, Século XVII.

TRÊS GRAÇAS: Botticelli, detalhe de Pimavera, 1482.


Tomás Togni Tarquínio

Formado em Antropologia e Prospectiva Ambiental na França. Desde 1977, trabalhou em diversas instituições francesas e europeias pioneiras sobre: energia, ecologia política, meio ambiente, decrescimento e colapso da sociedade termo-industrial. Foi Secretário do Governo do Amapá, por ocasião da execução do pioneiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA); trabalhou no MMA e Senado.



Deixe um comentário

Leia mais:

Descubra mais sobre Geração 68

Inscreva-se agora mesmo para continuar lendo e receber atualizações.

Continue lendo