Carlos Eduardo Pestana Magalhães
A história das forças armadas brasileiras, cuja gênese está nos capitães do mato e jagunços a serviço das capitanias hereditárias, da casa grande, dos latifúndios, das oligarquias do campo, do coronelismo, hoje representados pelo OGROnegócio, para perseguir, prender, torturar e matar escravos negros e/ou indígenas que fugiam em busca da liberdade, pouca coisa mudou ao longo dos séculos.
Haja visto que, quando da guerra do Paraguai (1864-1870) considerada pelos militares como o momento da construção do exército moderno por Duque de Caxias, precisando de mais gente para compor a soldadesca, o império resolveu prometer liberdade para negros escravos que se comprometessem a lutar.
Muitos toparam e engrossaram as fileiras de soldados até o final da guerra, no massacre que fizeram contra a população paraguaia matando quem estivesse a frente, fossem mulheres, crianças, idosos, um genocídio até hoje não reconhecido pelos militares brasileiros, mas reconhecido pela História. Findo o conflito, a promessa de libertação dos escravos negros não foi cumprida e a maioria dos que sobreviveram voltaram a mesma condição anterior.
No golpe militar contra o império, no dia 15 de novembro de 1889, pouco mais de um ano depois da libertação formal dos escravos pela princesa Isabel (13 de maio de 1888), sob o argumento de instalar um regime republicano no país, os militares exigiram que na nova constituição da república fossem reconhecidos como um poder a mais, o moderador, junto dos três que marcam tradicional e historicamente a República, a saber, o executivo, o legislativo e judiciário. Não foram…
Os dois primeiros presidentes na primeira república foram militares: Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894) e partir daí, até o último presidente, o civil Washington Luís (1926-1930), os milicos, mesmo após tentativas de golpes a partir do tenentismo (Revolta de Copacabana, a Revolta Paulista de 1924 e a Coluna Prestes), não conseguiram chegar ao governo.
Isso só aconteceu com o golpe de 1930, que levou Getúlio Vargas ao governo, incorporando algumas das propostas que os tenentes revoltosos defendiam. Com o Estado Novo (1937-1945), um golpe de estado dado por Getúlio com amplo apoio dos militares, instalando uma ditadura de tipo fascista, os milicos se incorporam de vez no governo de Vargas.
Na segunda república, de 1945 até 1964, o primeiro presidente eleito foi de novo um militar, o marechal Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). Daí em diante houveram oito presidentes, entre golpes militares que quase deram certo, até o último presidente civil eleito neste período, João Goulart (1961-1964). Em primeiro de abril, vem o golpe civil e militar de 64 que dura formalmente até 1985, com cinco ditadores de plantão (Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) ainda erroneamente considerados presidentes, infelizmente.
Numa ditadura não existe presidente, somente ditador. Urge que no panteão dos presidentes no Palácio da Alvorada, que seja retirada as fotos de todos os ditadores da História do Brasil que se encontram do lado dos presidentes eleitos pelos brasileiros. Um grave desrespeito ao povo e à História brasileira.
Finda a ditadura civil e militar de 64, mesmo que formalmente, sem as devidas reparações que deveriam ter sido feitas; sem responsabilizar judicialmente todos os torturadores e assassinos da ditadura, militares ou não; sem uma justiça reparativa; sem mudanças estruturais na nova constituição de 1988, como a questão da segurança pública onde se manteve praticamente intacto todos os aparatos repressivos criados durante a ditadura e que permanecem até hoje (por incrível que pareça, com a aprovação recente da Lei Orgânica da PM, com apoio do governo Lula, a repressão militar fantasiada de policial, piorou muito mais do que na ditadura); sem um pedido de desculpas das forças armadas a sociedade brasileira pelos massacres que fizeram, pelas torturas, pelos assassinatos, pelos desaparecimentos dos corpos dos presos políticos e de todos que se opuseram à ditadura, na luta armada ou não, a terceira república (1985…) veio ao mundo manca, sem uma perna e sempre ameaçada de novos golpes militares.
Os milicos jamais foram responsabilizados pelo que fizeram, conseguiram uma anistia ampla, geral e irrestrita garantindo que nenhum militar de qualquer das três armas, fossem responsabilizados pelo que fizeram, pelas torturas e assassinatos cometidos em 21 anos da ditadura. Mesmo assim, continuam ameaçando constantemente a democracia incipiente conseguida com muito sacrifício por parte da sociedade, não deixaram em nenhum momento de comprometer, interferir, seja roubando, seja insistindo nas benesses que a casta militar exige ter e tem. Roubam na cara dura…
Sob uma falsa imagem de serem probos, respeitados, honrados defensores da soberania nacional, das fronteiras do país, são na realidade um bando de bandidos, assaltantes, golpistas, torturadores, assassinos, entreguistas, desrespeitadores da constituição, onde a corporação militar é mais respeitada e admirada que o país e suas instituições. Jamais deixaram de lado o desejo de serem um quarto poder inexistente em qualquer república que se preste. Jamais deixaram de ser golpistas, seja com armas, seja por qualquer outro meio, inclusive eleitoral, vide a eleição do genocida (2019-2023).
Nunca tiveram nenhuma vocação patriótica de defesa do país, da bandeira, das instituições e da constituição. Até porque os brinquedinhos de guerra que possuem pela quantidade e qualidade, não servem para absolutamente nada numa guerra moderna. Toda lógica militar, adestramento, equipamentos, contingente de homens etc. só tem um objetivo. Ocupação, controle e dominação do território nacional, onde parte considerável da população é vista como inimigo a ser combatido e abatido.
São treinados desde as academias – vale lembrar que na AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras, do exército), os cadetes têm como treinamento de final do curso de quatro anos, invasão e controle de uma favela, o Haiti é aqui, sob a justificativa de combater o tráfico, deixando claro o papel policial do exército e não de defesa das fronteiras – para combater em solo nacional o povo brasileiro, para a defesa inconteste do Capital, representados pelos bancos e empresas nacionais e/ou internacionais, pelo OGROnegócio, por políticos, grande imprensa, sempre em troca de grandes quantias de dinheiro, aumentando mais ainda as benesses para a casta militar, coisa de mercenário. Vale lembrar, que o exército do Brasil matou mais brasileiros, nas várias revoltas em que participou reprimindo, do que estrangeiros em qualquer guerra externa, como por exemplo “Guerra dos Canudos” (1897-1897); “Revolta da Vacina” (19o4); “Guerra do Contestado” (1912-1916), entre outras…
Face ao distanciamento que essa casta tem do povo, tendo acesso a uma qualidade de vida que mais da metade da população não tem e nem pensa em ter, tais como assistência médica gratuita para membros da corporação, especialmente oficiais; instrução, aposentadorias especiais e abundantes, os milicos cada vez mais se aproximaram do crime organizado e das milícias…
A GLO (Garantia da Lei e da Ordem) que conseguiram no Rio de Janeiro, durante o período do golpista Temer, não por acaso sob comando do general Braga, futuro agente golpista do genocida, foi um marco dessa aproximação com as milícias que dominam grande parte, se não a maioria, das favelas/comunidades cariocas na cidade do Rio de Janeiro.
O assassinato da vereadora Marielle e do motorista Anderson, recentemente julgado pela justiça do Rio condenando os assassinos, aconteceu nesse período do comando militar na segurança pública da capital e há quem considera que nem tudo está devidamente esclarecido no assassinato da vereadora do Psol, mesmo após a condenação de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz.
Depois da tentativa de golpe no dia 8 de janeiro em Brasília, onde milhares de simpatizantes, militantes e agentes militares ligados ao ex-presidente genocida invadiram e destruíram o palácio do governo, o congresso nacional e o STF, apesar do fracasso, não significou o fim do processo golpista. A recente descoberta do plano de matar o presidente Lula, o vice Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes com uso dos militares das forças especiais do exército, os conhecidos “kids pretos”, sob conhecimento e planejamento de vários generais do exército próximos do genocida, de dentro do palácio governamental em Brasília, na casa do general Braga Neto, candidato a vice-presidente na chapa do genocida, é cristalino o papel histórico dos militares, especialmente do exército, enfim de toda casta dos milicos, de que nada mudou na essência, desde a época dos capitães do mato e jagunços até hoje. O indiciamento de mais trinta elementos ligados a tentativa de golpe e assassinato de três autoridades do governo feito pela polícia federal, entre eles o genocida, os generais Heleno e Braga Neto, deixa mais claro ainda o DNA golpista dos milicos do país. Golpistas e mercenários, como sempre…
Apesar dos uniformes novos, botas brilhantes, estrelas nos ombros, são todos da mesma espécie, a pior, gente do esgoto. São todos mercenários, bandidos, assassinos, torturadores, golpistas, mercenários, entreguistas, batem continência à bandeira americana. Desde que recebam muito dinheiro, fazem qualquer coisa, não importa quem morra. Cabe a pergunta: para que servem, afinal…
A existência das forças armadas, especialmente do exército, historicamente está ligado aos impérios, às conquistas militares, ao procedimento de manter um exército apto e preparado para a guerra. Desde a antiguidade, passando pelo período colonialista-imperialista europeu, chegando às duas guerras mundiais (1914-1918/1939-1945) e a guerra fria, as forças armadas em qualquer país tem apenas duas funções: atacar e/ou se defender.
No caso brasileiro, cuja última participação foi na segunda guerra mundial do lado aliado contra as forças nazistas, na Itália (1942-1945), para que servem se o continente sul americano é o mais pacífico do planeta? Quem o Brasil pretende atacar? De quem o país deve se defender? Da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela e as Guianas? Do Chile e Equador que nem fazem fronteira com o Brasil? Se não existem esses riscos, ter forças armadas só tem uma justificativa: combater o próprio povo dentro do próprio país. E pior, tudo isso às custas do erário público, da poupança dos milhões de brasileiros, a um preço exorbitante e sem necessidade alguma. Simples assim…
Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)

Jornalista, sociólogo, membro da Comissão Justiça e Paz de São Paulo, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Geração 68 Sempre na Luta.


Deixe um comentário