IDENTITARISMO

É RETRÓGRADO, É CONSERVADOR. FACILITA O TRABALHO DE DOMINAÇÃO DOS FASCISTAS

Carlos Eduardo Pestana Magalhães

A psicanalista Maria Rita Kehl virou alvo. Não da direita, o que é comum, mas das esquerdas por ter sido clara, objetiva, didática sobre a questão do identitarismo. O comentário dela foi preciso, direto no alvo e por isso incomoda tanto. Identitarismo é reacionário, é conservador, é mais um “argumento” que a direita usa para dividir os movimentos sociais já atomizados, facilitando a dominação cultural, política e ideológica das esquerdas.

A falta de um projeto de sociedade, de nação, de país etc. das esquerdas, partidária ou não, abre espaço para essas posições pretensamente progressistas, na prática retrógradas. Essa conversa de ter orgulho em ser isso ou aquilo, como por exemplo de ter orgulho de ser favelado (como assim? ter orgulho de viver nas senzalas modernas?), têm limites claros. Os movimentos ficam mais isolados e pior, passam a lutar uns contra os outros. Sem unidade na luta, sem um projeto mínimo de sociedade, do que se quer, sem ter a Utopia como objetivo, a direita e os fascistas ganham de lavada. Aliás, estão ganhando.

Claro que os movimentos, grupos sociais etc. no país tem suas pautas próprias, seus problemas específicos a serem encaminhados, suas questões de fundo, mas isso não pode impedir uma unidade política, ideológica, cultural etc. entre todos os movimentos visando a luta maior, mais estrutural. A luta é de todos trabalhadores e não só de determinados segmentos de classe e/ou grupos étnicos. E essa divisão só interessa ao Capital. Dividir pra governar ainda existe…

Se entendemos que o racismo brasileiro é estrutural, tem suas raízes históricas na escravidão que ainda persiste com outra roupagem; que a misogenia, o ódio as mulheres, a repressão constante contra suas conquistas ao longo de séculos de luta, que o feminicídio, os estupros, os maus tratos, os desrespeitos contínuos não deixaram de existir; que a homofobia continua, que não deixou de existir, mesmo que em alguns lugares seja mais brando; que o ódio às pessoas pobres, miseráveis, em situação de rua ainda persiste; que o preconceito contra a migração de nordestinos continua firme e forte; que o preconceito contra imigrantes de outros países só aumentado; assim como contra quilombolas, povos originários etc., é possível ter orgulho em pertencer a este ou aquele grupo se todos são menosprezados, combatidos, destruídos, aniquilados pelas classes dominantes e suas elites brancas?

A luta indígena contra o genocídio que acontece hás mais de 500 anos, desde as capitanias hereditárias até hoje, se mantém. Aos poucos conseguiram construir quase uma unidade, apesar das dificuldades históricas e conjunturais, coisa que nenhum outro grupo étnico e/ou movimento social tem, fora o MST . A recente luta no Pará contra uma lei do governo Barbalho, que acabou sendo revogada, mostra a capacidade e coragem dos povos originários unificados em enfrentar o sistema.
Mas, esbarram no limite da própria sociedade capitalista que quer de qualquer jeito suas terras para exploração. Se em alguns momentos conseguem se impor, deixar de serem aniquilados impunemente, logo adiante serão alvos de novo do Capital. Por que? Talvez por estarem sozinhos ou com pouco apoio da sociedade civil, dos movimentos sociais, das esquerda em geral, que se encontram atomizadas, olhando cada uma para o seu próprio umbigo.

Levantar uma bandeira com dizeres de ter orgulho de ser gay, nordestino, negro, favelado, pobre, mulher e sabe-se lá mais o que, além de ser equivocado, para dizer o mínimo, é fazer o jogo dos fascistas. Como é possível ter-se orgulho de pertencer a qualquer destes grupos visto serem todos vilipendiados, ameaçados, destruídos, torturados etc.? É preciso recuperar a grande luta pela Utopia, é preciso voltar a falar da luta de classe, dos que dominam e dos que são dominados, é a verdadeira luta a ser travada.

A estratificação social em várias categorias de pessoas como seres inferiores que precisam ser dominados, domesticados, identificados e se possível eliminados, é mais um mecanismo de dominação de classe e exclusão. Quando identificam pessoas e/ou grupos a partir de determinados critérios, mantendo-os isolados, diferenciados, mesmo que na aparência suas pautas identitárias apareçam como reconhecidas, a dominação e o controle já aconteceram…

Se os gays aparentemente conseguiram melhorar seu estatus social, com conquistas na sociedade civil, não quer dizer que deixaram de ser alvos de preconceitos, da violência e crueldade do sistema. O mesmo vale para todos. Se algum destes grupos sociais e/ou étnicos forem considerados como nichos de consumo de mercadorias específicas ou não, o tratamento será melhor. Não sendo, a repressão corre solta, as balas perdidas continuarão acertando as cabecinhas, nada impedirá a violência e letalidade dos agentes do Estado sobre os mais precarizados. É História…

No genocídio israelense contra a Palestina, há uma frase interessante: não é preciso ser palestino para se lutar contra o genocídio. Basta ser um humanista. O mesmo vale para a luta contra o Capitalismo, contra a dominação de classe. Maria Rita Kehl e tantos outros não são brancos, negros, gays, indígenas, quilombolas, intelectuais, mulheres, pobres, nordestinos etc. São seres humanos que lutam pelos direitos humanos e pela dignidade de qualquer ser humano.

E na falta de um projeto mínimo de sociedade, da luta pela Utopia, que pelo menos a luta universal pelos direitos humanos sirva de horizonte, de unificação para todos segmentos sociais, grupos étnicos e de quem mais estiver precarizado, dominado, reprimido etc. Sem isso, não há saída. Vamos nessa?


Carlos Eduardo Pestana Magalhães (Gato)

Jornalista, sociólogo, membro da Comissão Justiça paz de São Paulo, do Grupo Tortura Nunca Mais e da Geração 68 Sempre na Luta…



Resposta

  1. Avatar de MARIA SELMA DE CASTRO ARAUJO

    Discordo.Se as lutas identitárias forem fortes, os movimentos sociais se fortalecem, avançando para a luta de classes. Seguir a utopia de combate às desigualdades sociais passam pela organização de pequenos grupos, sejam eles sindicais ou específicos de lutas.

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