Política, imediatismo e nossas responsabilidades

Fred Ghedini

Escrevo este artigo especialmente para o seleto grupo de companheiros e companheiras do grupo de zap AGE Brasil, da RedeD e do Geração 68 Sempre na Luta.

Ao ouvir a entrevista do embaixador André Corrêa do Lago à CBN, nesta manhã, formou-se em minha mente o roteiro desse texto. O embaixador explicava aos jornalistas que o entrevistavam o processo de debates em ambientes como o da COP 30 e como avalia-los.

Em largos traços, dizia que a questão do combate ao uso dos combustíveis fósseis estava mais ou menos assim: 80 países estavam de acordo, prontos para assinar o compromisso, incluindo o Brasil, que propôs a regra. Outros 80, não estavam. Isso impediu que o tema entrasse nas deliberações finais que, para lá constarem, exigiam o consenso.

Em seu imediatismo cotidiano, a imprensa tascou: Derrota na COP30!

Entre os 80 países que não estavam de acordo, citou a China. E nós temos acompanhado pela imprensa diária os esforços da China para ampliar o uso dos combustíveis renováveis. Contudo, as autoridades daquele país decidiram não assinar um compromisso estipulando metas e datas para fazer a transição. Isso quer dizer que eles são contra a transição energética?

Comparemos a China com os EUA, país que, após a condução de Trump ao poder, simplesmente retirou-se dos acordos de Paris e seguintes, o que é algo bem diferente de não querer assinar um documento porque não tem certeza quanto aos prazos internos na transição.

Assim está o mundo hoje. Nós, da esquerda, precisamos entender o contexto e fazer as opções corretas. Pessoalmente, penso que o embaixador André Corrêa do Lago, em sua perspectiva, merece todo o nosso apoio. Sim, porque como ele explicou, a COP30 significou um grande avanço pois o tema agora está colocado no debate internacional, com uma contundência maior do que esteve até aqui.

A luta continua

Durante o pouco mais de um ano da presidência brasileira da COP, há a possibilidade concreta e real de continuar os debates com os 80 países que ainda não têm seus prazos internos definidos para a transição.

Cada um de nós – todos e todas – temos o nosso papel nisso. Dar o apoio necessário seja nos manifestando, como faço aqui, seja contribuindo nos seus cotidianos com as atitudes necessárias para essa transição (nas questões relativas à alimentação, consumindo “menos produtos desembaláveis e mais produtos descascáveis”; na separação do lixo doméstico; nos deslocamentos, usando combustíveis e veículos menos poluentes, em vez dos mais poluentes etc. etc.).

Contudo, nossa contribuição mais importante, enquanto coletividade, é sem dúvida formarmos um bloco decidido a apoiar a formalização da candidatura Lula no próximo ano e trabalharmos incansavelmente para informar a população para eleger senadores, deputados estaduais e federais favoráveis às pautas populares, o que certamente inclui aquelas favoráveis à defesa dos direitos da natureza.

Vamos formar listas de candidatos que assumam as pautas populares e ajudar a divulgar em todos os cantos que pudermos; vamos formar listas de candidatos que não devem ser votados por todos e todas que se importem com as condições de vida da população, aqui e alhures. Principalmente as populações menos favorecidas. E divulgar.

Lembremos que, do outro lado, estão os da extrema-direita, incluindo os que buscam todo o tipo de camuflagem, como os tais dos tarcísios, e aqueles que com eles se alinham. Ou assassinos contumazes, como os cláudios dos 121 mortos. Entre outros.

Os temas estão aí

Não faltam causas e temas para travarmos as lutas cotidianamente. Vejam, por exemplo, como o atual prefeito de São Paulo age de forma a aparelhar a administração pública em um caso escancarado de perseguição, denunciado por mim no texto “Prefeitura de São Paulo persegue OnG deixando centenas sem comida e mais gente desempregada”*.

Fornecer apoio decidido à Academia Carolinas neste momento é mandatório em uma das frentes de batalha que é a cidade de São Paulo e todo o Estado, ambos governados por figuras menores da política, aproveitadores da ignorância fabricada pela mídia comercial nas mentes do eleitorado, fruto de um momento em que as iniciativas da extrema-direita são escondidas sob uma pretensa capa do que chamam de “polarização”.

O recorrente tema da “polarização” nada mais é do que um acirramento da luta de classes em um momento de aprofundamento da crise do sistema capitalista. Num contexto como esse, os poderes hegemônicos em todo o mundo se servem dos extremistas de direita. Que isso comprometa o planeta e parcelas enormes da população mundial importa?

Para nós, sim. Contudo, para esses senhores (sim, em geral são pessoas brancas do sexo masculino), é possível resolver a situação cavando a terra, construindo bunkers para si e para suas famílias. E o restante (ou seja, quase todo mundo) que se lasque! Porque para eles, acima de tudo é preciso preservar as elevadas taxas de lucro e a propriedade privada.

Ocorre que, ao utilizar o termo “polarização”, a mídia comercial lança mão do mesmo truque de sempre, mantendo-se “equidistante” entre dois polos igualmente condenáveis: a extrema-direita, que no Brasil eles apontam como sendo a família Bolsonaro, e a “esquerda” que, para eles é o PT e seus coligados de menor alcance eleitoral (PSOL, PCdoB etc. etc.).

Trata-se de uma tramoia, uma mentira porque o que eles apoiam, ao agir dessa forma, é a distribuição de renda absurdamente iníqua do nosso país, o domínio dos farialimers, dos amigos das big-techs e o ogronegócio. Ao fim e ao cabo, o próprio crime organizado, como deixam claro as votações da maioria oposicionistas no Congresso Nacional.

Todos nós sabemos que a situação atual foi criada pelo casamento dos principais atores nas finanças globais com a extrema-direita, o que vem acontecendo não apenas no Brasil, mas globalmente.

Há, portanto, algo a ser combatido por todos e todas que amamos e valorizamos a democracia, que é a defesa dos direitos à vida digna para todos e à sobrevivência em nosso planeta. Afinal, é o único que temos.

A péssima distribuição de renda, a manutenção de uma internet-terra-sem-lei, de governos que se apoderam da verba pública como se fosse propriedade privada dos governantes, entre outras mazelas, são a face aparente de algo que se esconde sob a superfície, que é a degradação das condições para a manutenção de uma democracia burguesa liberal, calcada sobre o individualismo extremo e o alheamento à participação política do grande público. O que é constantemente aprofundado pela grande mídia comercial.

A manutenção do um posicionamento “equidistante” dos “dois polos” é, assim, uma forma de manter a desinformação e o descompromisso com as lutas necessárias para que a humanidade possa avançar no rumo de sua libertação, que hoje se confunde com a manutenção da vida sobre o planeta.

Afinal, pergunto aos editores desses jornais e TVs comerciais, se eles imaginam que haverá lugar para eles e suas famílias nos bunkers em construção pelos grandes capitalistas estadunidenses? Parece que um desses criminosos internacionais em amplíssima escala já se convenceu que não poderia viver em Marte. Sendo assim, já deve ter iniciado, também, a construção do seu próprio bunker.

Quando o jornal Folha de S. Paulo consegue colocar na capa um título do tipo “Tarcísio e aliados criticam prisão; esquerda celebra”, deixa claríssimo na forma mesma como realiza sua cobertura política – a quem formular a pergunta, cuja resposta já está pronta antes mesmo de a pergunta ser formulada – o posicionamento viciado e vicioso de buscar “o justo meio”.

Cabe perguntar ao editor do jornal: e vocês, da Folha? O que pensam da prisão do Bolsonaro? São a favor? São contra? Mas, afinal, vocês são a favor ou contra a democracia? A prisão de um golpista contumaz como Bolsonaro não deveria trazer alguma alegria a todo e toda defensor/defensora da democracia? Por acaso o centro político também não defende a democracia? Não será esse “muro” em que vocês se aninham algo mais favorável ao golpismo do que à democracia?

Não escolhemos o terreno em que se luta

Para nós, da esquerda, a luta se dá em todos os terrenos possíveis. Não temos a possibilidade da escolha. A luta é ideológica, é política, é por Justiça. E é também nas ruas. Não podemos deixar nenhum terreno livre para a extrema-direita e seus aliados, sejam eles aliados de ocasião, sejam aliados permanentes. E as armas também são aquelas que estão disponíveis no momento. No caso, está claríssimo que as armas são o voto, as ruas, a internet e os recursos que conseguirmos arrancar dos atuais governos, sejam eles quais forem.

Portanto, defender as Carolinas da perseguição que a atual gestão da Prefeitura de São Paulo move contra elas é parte da luta. Denunciar tal perseguição como odiosa, ideológica e inaceitável, também. Mas, é preciso fazer isso de uma forma que a população possa se informar, com a linguagem e os meios adequados para se chegar lá.

Assim como é importante defender a Soberania Nacional, o que inclui a Soberania Digital, nos dias de hoje, o aprofundamento da reforma agrária, a maior velocidade da remarcação das terras indígenas, o estabelecimento de regras para a internet e as redes sociais, o combate mais enérgico ao desmatamento, o financiamento público (e privado, com a mudança da legislação) das emissoras comunitárias.

E, também, participar da Campanha contra a Compra de Votos – um local excepcional de discussão política com o eleitorado brasileiro, em que todos esses temas serão debatidos – é um território que não pode, de forma alguma, ser deixado de lado. Ocupar esse espaço privilegiado de debate e esclarecimento do eleitorado é algo que depende apenas de nós.

Na minha visão, tudo isso é mais importante, agora, do que tentar “corrigir” o rumo do atual governo. Estamos às vésperas de uma das batalhas mais importantes deste início do novo milênio, no Brasil, com repercussão na força da extrema-direita no continente e na conjuntura mundial. E com uma repercussão profunda no futuro do nosso país.

Cada atitude conta, cada iniciativa vai contar. Não deixemos que posições imediatistas e preocupações secundárias turvem nossa visão a respeito da grande batalha em que estamos envolvidos.

Finalizo com dois comentários.

Um, ao leitor – à leitora – afoito/a. Não sou contra críticas a decisões do atual governo. Sou favorável, por exemplo, à crítica dos que veem no acordo para que o legado dos dados nacionais seja manipulado e armazenado nos servidores das big-techs, uma rendição desnecessária a esses senhores, quando podemos dar mais velocidade ao desenvolvimento de soluções brasileiras.

O que critico é que se dê mais importância a críticas como essa, corretas, do que à atuação no dia a dia das lutas que não podem ser deixadas para depois. Por exemplo, a Câmara aprovou na semana passada um projeto de Insegurança Pública, sem que houvesse qualquer manifestação dos movimentos sociais. Não podemos deixar as coisas continuarem assim.

Manter a unidade e melhorar a comunicação

O segundo é a minha avaliação pessoal sobre a conjuntura política. À direita, temos uma divisão importante. O núcleo familiar bolsonarista tem poucas condições de galvanizar o eleitorado, como teve com o próprio Bolsonaro. E também penso que dificilmente esse núcleo deixará de participar das eleições, haja vista a campanha de filiações ao PL, em curso. Isso tende a facilitar o surgimento de pelo menos mais uma candidatura forte no mesmo terreno.

Assim sendo, é muito provável que a direita venha dividida para as eleições.

Já à esquerda, temos a possibilidade de uma candidatura única. Devemos preservá-la. Uma divisão no momento em que nos encontramos, poderá ser fatal.

De outro lado, embora não seja possível dizer que a eleição estaria ganha no caso de mantermos uma candidatura única – não existe batalha ganha antes que chegue ao fim, objetivamente – duas coisas são importantes, para não ficarmos tão próximos ao precipício, como ocorreu em 2022. A primeira, é mantermos essa unidade. Para isso, devemos melhorar a atuação na articulação das nossas forças.

A segunda é a esquerda e os setores democráticos que não se alinham à mídia comercial melhorarem consideravelmente sua comunicação com a população em geral. Sair da casca, deixar a bolha. Na comunicação, esse é o nosso grande desafio.

Se conseguirmos melhorar neste segundo quesito, certamente conseguiremos, também, avançar em relação a dois outros objetivos: obtermos a maioria no Senado, em composição com o centro político, e uma bancada mais ampla e aguerrida no Congresso. Sem esquecer, diga-se, os governos estaduais e as assembleias legislativas, essas últimas, sempre relegadas ao esquecimento.

Fred Ghedini, jornalista.


Prefeitura de São Paulo persegue OnG deixando centenas sem comida e mais gente desempregada
Como o prefeito de São Paulo explica essa situação?

A questão é simples: a Rede Cozinha Escola, Academia Carolinas, localizada na Av. Souza Ramos, 430, na Cidade Tiradentes, no extremo leste de São Paulo, que existe desde 2020 e alimenta 400 pessoas por dia, empregando mais de uma dezena de cozinheiras, além de outros profissionais, teve descontinuado o fornecimento da verba destinada ao funcionamento da Cozinha, fato que ocorreu sem qualquer explicação. O contrato de repasse da verba venceu em 11 de novembro.

A Prefeitura tem tentado substituir a Academia Carolinas por outras pessoas/instituições na região para fazer a trabalho. Nossa pergunta que não quer calar é? Por que a Prefeitura, se quer aplacar a fome de quem não tem dinheiro para comprar comida em São Paulo, não busca instalar novas cozinhas em outros lugares, onde esse trabalho é necessário? Por acaso não há fome na cidade de São Paulo? Por que a Prefeitura cortou a verba para a Academia Carolinas?

Será que é porque o prefeito tem um amigo que é governador e quer ser candidato no próximo ano e, para isso, está buscando  garantir votos desde já?

Se for por isso – pelos indícios já coletados pelo pessoal da Academia Carolina é razoável pensar que seja – trata-se de algo repulsivo e que não pode vingar.

Não cabe ao Prefeito, ou a qualquer administrador público, definir que as verbas públicas devem ser entregues a entidade, cidadão ou cidadã porque a pessoa pensa do mesmo jeito que ele. Existe, na administração pública, o princípio básico da impessoalidade (está na Constituição Federal de 1988).

Trata-se de uma forma de “compra de votos” – e aqui coloco entre aspas porque a compra de votos é crime tipificado em lei, passível de prisão, perda de mandato e inelegibilidade (Leis nº 9.504/1997, artigo 41-A e nº 4.737/1965, art. 299, e a lei complementar nº 64/90, na alínea “j” do artigo 1º).

Contudo, assim como muitas emendas parlamentares, atitudes como a da Prefeitura de São Paulo podem perfeitamente ser comparáveis a uma compra de voto dissimulada, no atacado, embora esses formatos não caibam exatamente na tipificação do crime que consta na legislação.

A razão

O administrador público não é dono do dinheiro arrecadado por taxas e impostos. Ele é eleito para administrar os recursos, que são públicos e não privados. Não pode, portanto, utilizá-lo para direcionar aos amigos, correligionários ou àqueles que com ele têm qualquer tipo de afinidade em prejuízo dos demais.

Se assim não fosse, haveria uma razão legítima e compreensível para a não continuação do repasse dos recursos à Academia Carolinas.

Com a palavra, o Prefeito de São Paulo**.

* Fred Ghedini é jornalista e membro da Coordenação da Rede Democracia e Direitos Humanos – RedeD e do Movimento Geração 68 Sempre na Luta

** Enquanto aguardamos que a Prefeitura reveja sua decisão, sugerimos:

1 – Assine a Petição Pública dirigida à Secretaria de Segurança Alimentar da Prefeitura Municipal de São Paulo:

Nota de Esclarecimento da Cozinha Escola Academia Carolinas manifestando “nossa profunda preocupação e repúdio à decisão unilateral do Secretário de Segurança Alimentar e Nutricional (SESANA), Vitor Arruda, de suspender nosso contrato sem qualquer justificativa formal”: (https://peticaopublica.com.br/search.aspx?q=Academia%20Carolinas ) .

2 – Contribua com algum valor para não deixar ninguém com fome e também para não precisar deixar as cozinheiras desempregadas. A meta da Academia é conseguir 50 mil reais o mais rapidamente possível! Código PIX no CNPJ 24.866.909.0001-95.

2 – Leia os textos em que a Academia Carolinas expõe a situação gerada com a perseguição em curso no seu Instagram @institutoacademiacarolinas, em Comunicado Urgente.

3 – Siga a RedeD (@RedeDemocracia) e a Academia Carolinas nas redes sociais. Nossa luta contra essa situação odiosa está apenas começando. Não podemos deixar que critérios político-partidários – ou outros igualmente inadmissíveis – interfiram no uso do dinheiro público. É preciso mudar a cultura política vigente em nosso país. Mais humanidade, informação de boa qualidade e menos autoritarismo!

Leia, também, matéria no site do TSE sobre a questão da compra de votos: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2013/Agosto/compra-de-votos-e-crime-eleitoral-e-causa-cassacao-e-inelegibilidade


Fred Ghedini

Jornalista, integrante da Coordenação da RedeD – Rede Democracia e Direitos Humanos e do Movimento Geração 68 Sempre na Luta.

Nascido em 1951, em Londrina-PR, é jornalista, casado e tem dois filhos. Mora em São Paulo. Como ativista, atua no Movimento Geração 68 Sempre na Luta e na RedeD (Instituto Rede Democracia e Direitos Humanos), participando da coordenação de ambos. Presidiu o Sindicato dos Jornalistas em São Paulo (de 2000 a 2006) e foi vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (2001 a 2007). Foi repórter, redator e editor em jornais impressos, revistas especializadas e internet. Foi também assessor de imprensa e de comunicação, nas áreas pública e privada. Lecionou jornalismo (2013 a 2017 – Fiam-Faam) e fez o mestrado e o doutorado na USP, tendo concluído pós-doutorado na UFSC, sobre Jornalismo, em 2024. Em 2016 participou da criação da Associação Profissão Jornalista – APJor, que presidiu por três mandatos (2017 a 2021). Publicou Nas ondas sonoras da comunidade – A luta pelas rádios comunitárias no Brasil (Ação Educativa/Global Ed., 2009) e Comunicação – do jornal à Internet, este em coautoria com Antônio Graça, 2010).

E-mail: fredghed@gmail.com



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