DIA DOS TRÊS VENTRES QUE FIZERAM A “MIXTUDE” BRASILEIRA
Tomás Togni Tarquínio
A gravura de Willian Blake (1757-1827), pintor inglês, poeta e abolicionista, simboliza a Branca sendo apoiada pela Índia e pela Negra. Trezentos anos mais tarde, tomei a liberdade de revisitar suas “Três Graças”. Elas podem também simbolizar nossas Mães Brasileiras. Os Três Ventres que gestaram a “mixtude” genética do Brasil. A miscigenação foi principalmente feita pelo ventre da Índia, seguido da Africana e, finalmente pelo ventre da Branca, porém minoritário.

Os Índios, povos originários, habitavam estas paragens, como sabemos. Os brancos portugueses que aqui chegaram eram majoritariamente do sexo masculino, varões. Raríssimas brancas vieram para o Brasil nos três primeiros séculos. O português, encantado com as índias (que Caminha, cujos olho avisado as descreveu como mais “fermosas que as lisboetas), teve inicialmente filhos com a índia. Os rebentos resultantes desta conjunção carnal – fêmea ameríndia e macho europeu – foram chamados de caboclos e caboclas. Outros nomes foram dados à esta carnação mestiça primeva: caipira, caiçara, mameluco, cariboca, curiboca. Os portugueses passaram a ter filhos e filhas também com a cabocla. A cabocla também gerou filhos e filhas com o caboclo e índio. O caboclo, igualmente. O índio também concebeu com a cabocla.
Quando os negro-africanos chegam em grandes vagas ao Brasil, a partir do século XVII, a maioria do contingente era composto por homens. Mas, eles não vieram sós. Chegaram acompanhados de mulheres negras. Uma mulher para cada cinco ou seis homens. As negras eram em número bastante superior às brancas, porém inferior às índias e caboclas. Os homens negros tiveram filhos e filhas com negras e com as índias, gerando os cafuzos e cafuzas. Tiveram também filhos com as caboclas. Os varões negro-africanos, assim como os demais não-brancos masculinos raramente tinham filhos com a mulher branca – as poucas que vinham para o Brasil eram reservadas aos brancos. As mulheres negras tiveram filhos com o português, dando origem aos mulatos e mulatas – esses majoritariamente originários da conjunção do homem branco com a mulher negra. Os varões portugueses também tinham filhos com todas mulheres, independente da origem.
Os mestiços primevos, (mulatos, caboclos e cafuzos), por sua vez, tiveram filhos e filhas entre si, se distanciando dessa mestiçagem primeva. Esses mestiços primevos e secundários raramente concebiam com as poucas mulheres brancas. A “mixtude” brasileira foi tanto mais consentida na medida em que a maior parte dos acasalamentos foi realizado entre os próprios mestiços. Essa configuração inicial foi bastante alterada a partir do Século XIX e acentuada com as vagas de emigrantes europeus, árabes, asiáticos.
Somos assim resultantes desta mistura. De mulatos, caboclos e cafuzos iniciais, passamos à “mixtude”. Hoje, no tocante ao fenótipo e genótipo, a maior parte da população do país é a mistura da mistura da mistura.
Somos pardos, caburés, mulatos, caribocas, mamelucos, escurinhos, negros, pretos, japas, cafuzos, caboclos, caiçaras, galegos, cabrochas, branquelos, crioulos, caipiras, amulatados, amorenados, indígenas, silvícolas, turcos, trigueiros, sertanejos, sefardins, árabes, negrinhos, guascas, morenos, roceiros, loros, canguçus, mandis, biribas, esbranquiçados, pés-na-cozinha, polacos, pardavascos, capiaus, sararás, bugres, tapuias, carcamanos, alemoas, chocolates, cafés-com-leite, etc… “Nous avons l’embaras du choix” como carta de identidade.
Tomás Togni Tarquínio

Formado em Antropologia e Prospectiva Ambiental na França. Desde 1977, trabalhou em diversas instituições francesas e europeias pioneiras sobre: energia, ecologia política, meio ambiente, decrescimento e colapso da sociedade termo-industrial. Foi Secretário do Governo do Amapá, por ocasião da execução do pioneiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA); trabalhou no MMA e Senado.


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