56 anos do AI-5 em 13/12/2024, que deve ser lembrado para jamais ser repetido!

Gláucio Tavares

Em 31/03/1964, um grupo de militares, sob a justificativa de uma revolução, editou o Ato Institucional n° 1, cujo preâmbulo preconizava:

“CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria.”

Não tardou e a mencionada “revolução” da autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, em 13/12/1968, portanto, há 54 anos, decretou o AI-5, o denominado Ato Institucional n° 5, cujo conteúdo estabelecia:

1) o presidente poderá decretar o recesso do Congresso Nacional;
2) Poder Executivo ficava autorizado a legislar;
3) intervenção nos Estados e Municípios (governos biônicos);
4) suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais;
5) suspensão das garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo;
6) decretar o estado de sítio e prorrogá-lo;
7) suspender a garantia de habeas corpus.

O AI-5 representou o ato mais soberbo do autoritarismo na recente história política brasileira e com sua feição escandalosamente fascista, sustentou um governo de repressão e violência contras as liberdades dos cidadãos brasileiros.

A perseguição política foi estatizada, com desaparecimento de compatriotas e torturas contra os opositores do regime militar. A imprensa foi amordaçada, sem poder publicizar os inúmeros casos de corrupção e impunidade capitaneados pelos mui amigos do regime. Com isso, a sujeira da nação era estocada embaixo dos tapetes dos militares por força das baionetas.

No Rio Grande do Norte, o popularíssimo Aluízio Alves teve seus direitos políticos cassados, enquanto o ex-senador José Agripino Maia foi alçado a prefeito biônico de Natal por força do AI-5.

Noutro giro, o Poder Judiciário, com a suspensão da garantia do habeas corpus, foi impedida de reconhecer as inúmeras prisões ilegais feitas pelos militares de pessoas que tinham coragem de se opor ao regime autoritário. Nesse ínterim, a tortura tornou-se uma prática do Estado brasileiro.

Compete registrar, para fins de ilustrar os efeitos práticos da verve aberta pelo Ato Institucional n° 5, um episódio absolutamente lamentável descrito no Livro Crimes da ditadura militar / 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, Criminal. – Brasília: MPF, 2017. (fls. 82/83).

Num dos sinistros casos de prática de torturas utilizada pelo regime militar brasileiro de 1964, relata-se a implicação direta dos oficiais Rubens Paim Sampaio (“Dr. Teixeira”) e Freddie Perdigão Pereira (“Dr. Roberto”). Segundo uma testemunha:

“Dr. Roberto, um dos mais brutais torturadores, arrastou me pelo chão, segurando-me pelos cabelos. Depois, tentou estrangular-me e só me largou quando perdi os sentidos. Esbofetearam-me e deram-me pancadas na cabeça. Colocavam-me completamente nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura estava baixíssima. Petrópolis é intensamente fria na época em que lá estive (oito de maio a onze de agosto). Fui várias vezes espancada e levava choques elétricos na cabeça, nos pés, nas mãos e nos seios. Nesta época, Dr. Roberto me disse que eles não queriam mais informação alguma: estavam praticando o mais puro sadismo, pois eu já fora condenada à morte e que ele, Dr. Roberto, decidira que ela seria a mais lenta e cruel possível, tal o ódio que sentia pelos ‘terroristas’. […]
Alguns dias após submetida a verdadeiro horror, apareceu o Dr. Teixeira, oferecendo-me uma saída ‘humana’: o suicídio. Disse-me que eu tinha sido condenada à morte, mas ao invés de uma morte lenta nas mãos do Dr. Roberto, eu poderia dar cabo da minha vida. Aceitei e pedi um revólver, pois já não suportava mais. Entretanto, Dr. Teixeira queria que o meu suicídio fosse público. Propôs-me então que eu me atirasse debaixo de um ônibus como já fizera. […]
Por não ter me matado, fui violentamente castigada: uma semana de choques elétricos, banhos gelados de madrugada, ‘telefones’, palmatórias. Espancaram-me no rosto, até ficar desfigurada. A qualquer hora do dia ou da noite, sofria agressões físicas e morais. ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Este mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis enquanto se contorcia obscenamente. Durante este período, fui estuprada duas vezes por Camarão e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidades, os mais grosseiros
“, (Possível baixar gratuitamente).

A ditadura militar e o seu ato jurídico mais horrendo, o AI-5, que completará 54 anos neste próximo dia 13/12/2024, não devem ser esquecidos, haja vista que esse horror da História do Brasil precisa ser conhecido por todos para jamais ser repetido.


Gláucio Tavares

Analista judiciário do TJRN, mestrando em Direito pela Universidad Europea del Atlántico, graduado em Farmácia pela UFRN e ativista político pela democracia.



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