Eu, classe média, protesto!

Marijane Lisboa

Eles estão ofendidos! Desde quando é justo chamar “nossos” deputados e senadores de gente que só quer tirar dinheiro dos pobres para dar para os ricos? Em nome das bancadas do boi, da bala e da bíblia , eles protestam!  E dizem que “o povo não aguenta mais de tantos impostos”.

Para começar, vejamos como andam os impostos dos seus representados:

Bancada da Bíblia:

Igrejas não pagam IRPJ,  IPTU,  IPVA e IR. Se algum pastor daqueles (imagina, que maldade a minha!) ganhar muito dinheiro, transfere-o para o CNPJ da sua igreja e é possível que venha a receber restituição do Imposto de Renda em cada ano do Senhor! Não sei se isso mudou com o Trump, mas nos EUA, igrejas, embora também sejam isentadas de impostos, são proibidas de participar de política. Isso seria uma bênção para nós, brasileiros, porque nos livraria de malafaias da vida. Na Alemanha, onde vivi, os fiéis declaram suas filiações religiosas e o Estado recolhe suas contribuições e as envia para suas igrejas. E igrejas não abrem a boca em política.

Bancada da Bala:

Obtiveram um grande feito na reforma tributária! Armas foram retiradas da lista dos “impostos do pecado”, ou seja, daqueles produtos que podem matar se exagerarmos o seu consumo como cigarros, bebidas alcoólicas e adoçantes. Usadas com moderação, armas não fazem mal! Antes pagava-se 55% de imposto na compra de armas, agora só 26,5% . Você, que sempre sonhou em ter um fuzil ou aumentar a sua coleção de armas, ou ainda  equipar melhor a sua milícia, agradeça aos seus representantes!

Bancada do boi:

O “nosso” deles agronegócio, aquele setor superbem sucedido da economia brasileira, continuará desfrutando daqueles estímulos necessários ao seu enriquecimento: Se comprar agrotóxicos (desculpe, defensivos agrícolas), inclusive aqueles já proibidos internacionalmente mas ainda livremente comerciados no Brasil (os brasileiros são antes de tudo uns fortes!), continuará a ter descontos de 60% sobre esses impostos. Também será isentado de pagar impostos  para tudo o que é necessário à saúde do “seu” gado: vacinas, rações, fertilizantes etc. E na hora de exportar, graças à Lei Kandir, também não terá de pagar imposto.  Esses são os segredos do seu sucesso! 

Então, digníssimos parlamentares, eu que sou de classe média,  não tenho religião, não gosto de armas e procuro na medida do possível comprar apenas alimentos orgânicos, protesto! Por que tenho que sustentar essa bancadas?

E tem mais:  todo mundo sabe que quando se trata do Imposto de Renda no Brasil, nossa população brasileira pode ser dividida em 3 estratos ou camadas, como está na moda: os pobres, as classes médias e os ricos:

Os pobres, graças a algumas políticas de esquerda no passado, contam hoje com a Bolsa Família, mas mesmo assim pagam IR indiretamente em todos aqueles bens e serviços que consomem e que não estiverem incluídos na cesta básica.  E isso absorve boa parte dos seus salários ou rendas.

O segundo setor é a classe média, a qual eu pertenço, e que é quem dá a maior contribuição para o IR, mesmo quando não tenha rendas e propriedades, e sim, apenas trabalho ou aposentadoria, simplesmente porque somos o mais numeroso, constituindo 51% da nossa população. Atenção, ser classe média  no Brasil significa ter renda familiar entre 3,4 mil e  28.000,00 mensais.

E os ricos? Aqueles que tem uma renda superior aos 28.000,00 e que constituem 1% da população? Muitos desses, simplesmente assalariados bem pagos ou profissionais liberais bem sucedidos, também pagam tanto imposto quanto a chamada classe média. Mas, além deles, muito além,  anos-luz deles, lá no espaço interestelar, existem os super-ricos, 0,01% da população brasileira, que além de terem rendas mensais superiores a R$50 mil,  não pagam nada por seus lucros, dividendos, uma vez que esses são isentos, bem como sobre suas propriedades como jatinhos, iates e outros bens do gênero. Mas são eles justamente que ao tirar o dinheiro daqui e passar para ali, às vezes serão penalizados com a cobrança de um IOFzinho! Que maldade!

Desconfio que os nobres parlamentares devem estar dentro desse grupo, pois desde fevereiro desse ano estão ganhando R$ 46.366,19, ou seja, sua renda é 15 vezes superior à renda média dos brasileiros (Politze, 19/06/2025). Mas aí começam os penduricalhos: auxílio moradia (R$ 4253,00) ou imóvel funcional em Brasília  e “a cota de exercício profissional”, o que inclui passagens de avião, hospedagem, combustível, serviços postais etc até o valor de R$ 51.000,00 por mês.  E se tiverem que ser operados, os custos da hospitalização estarão inteiramente cobertos, o que é muito bom para eles, considerando que eles não vão para o SUS, não é?

A vida deve ser leve para essa turma, tanto que em vez de discutir em Brasília a crise política gerada com a derrubada pelo Congresso do Decreto do Executivo de aumento do IOF, boa parte dos parlamentares da oposição, mas também do governo, além de vários ministros, ministros dos tribunais superiores e, claro, pura coincidência, um monte de lobistas,  estão a comer pastéis de Nata e tomar bons vinhos portugueses em Lisboa!  Um voo em classe econômica está agora por volta de R$ 5000,00, mas nossas autoridades e CEOs só vão de primeira classe ou vá lá, classe executiva! No mínimo R$9000,00.  Vou deixar de lado a estimativa dos custos de hotéis, jantares, almoços e quem sabe umas casas de fado, Oilaré, minha vida ai que rica ela é!

E, como diz o ditado popular, “da discussão nasce a luz”! Alguns dos nossos ministros do STF assumem a função de tias idosas da família de sobrinhos briguentos e tratam de reconciliar os magoados mottas e alcolumbres com a turma do PT, cuja encarregada da articulação institucional, reconhece que certas críticas foram injustas porque atingiram pessoas (difícil separar ideias e atitudes das pessoas que as defendem e assumem, não?). Sorry, Gleisi, o povo tem suas autonomias…


Marijane Lisboa

Socióloga, Doutora em Ciências Sociais, Professora PUC-SP. Colaboradora do Geração 68 Sempre na Luta



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